Espacio Abierto Cuaderno Venezolano de Sociología Vol.27 No.3 (julio-septiembre, 2018): 145-164


O problema da dependência econômica e a desindustrialização no Brasil a partir do Neoliberalismo

Daniel Strauss*


Resumo

As formas de dependência e a natureza das relações de poder impostas pelas economias dominantes, através de incursões imperialistas, são a chave para a compreensão dos processos político-econômicos do Brasil e da América Latina. Este artigo formaliza o debate sobre as políticas do chamado período neoliberal brasileiro (a partir de 1990) e como se relaciona com as formulações de Marini e a teoria marxista da dependência. Primeiramente buscou-se reflexões sobre os processos de desindustrialização, reprimarização da economia e como isso se relaciona com o imperialismo e a super-exploração do capital proposta por Marini.

 

Palavras-chave: Neoliberalismo no Brasil; Teoria Marxista da Dependência; desindustrialização.



Recibido: 16-04-2018 / Aceptado: 21-06-2018

A partir dessas relações surge o conceito central de superexploração do trabalho na América Latina. Para compensar a perda da mais-valia, transferida ao exterior, o país subordinado à dependência tende a aumentar a exploração sobre o trabalhador. Marini (2005) aponta três formas de como é aplicado na prática: 1) Prorrogação da jornada de trabalho, como forma de aumento da mais-valia absoluta; 2) Aumento da intensidade do trabalho, como forma de aumento da mais-valia relativa; 3) Reduzir o consumo do operário além do seu limite normal, isto é, reduzindo o necessário à reprodução daquela força de trabalho, isto garante que haja um aumento do trabalho excedente.


Aunque buena parte sea transferido, el crecimiento del plusvalor en la economía dependiente puede crear una dinámica interna de acumulación ¿Cómo se eleva la producción del plusvalor en el capitalismo (dependiente)? El capitalismo tiene varias formas de hacerlo, pero la más característica (en las economías dependientes)


es la superexplotación de la fuerza de trabajo que, entre otras características, implica que los salarios que se pagan están por debajo del valor de la fuerza de trabajo. (CARCANHOLO, 2015: 270).


Ao contrário da indústria, na qual o aumento do trabalho poderia resultar um aumento de custos de matéria-prima, no setor extrativo ou na agricultura esse limite produtivo é menos sensível isto significa que a simples ação do homem na natureza aumenta a riqueza produzida. Não há uma grande preocupação com os limites físicos do trabalhador, pelas três formas citadas acima, é possível remunerar o trabalho abaixo de seu valor, o que implica a superexploração do trabalho.

Em outras palavras, a inserção da América Latina serviu para desenvolver o modo de produção capitalista (MARINI, 2005). Essa relação mantém o Brasil a cumprir um papel fundamental tanto de exportação de produtos primários quanto de organização e expansão da exploração do Capital imperialista na América do Sul. A manutenção dessas relações só tende a ampliar a dependência, a debilidade e o atraso.

Dessa maneira, para Marini (1992) a CEPAL compreende a questão da deterioração dos termos de troca, com a ideia de que o aumento de produtividade beneficia, em verdade, os países que compram os produtos primários, pela queda em seus preços.


Trata-se do fato suficientemente conhecido de que o aumento da oferta mundial de alimentos e matérias primas tem sido acompanhado da queda dos preços desses produtos, relativamente ao preço alcançado pelas manufaturas. Como o preço dos produtos industriais se mantém relativamente estável, e em alguns momentos caí lentamente, a deterioração dos termos de troca está refletindo de fato a depreciação dos bens primários. (MARINI, 2005, 16)


Ainda assim, não é explicado em Prebisch (1950), nem nos cepalinos, o porquê de, apesar da deterioração, os países se manterem na condição dependente da produção de produtos primários e não realizarem sua industrialização. Marini (2005) inverte a relação da ideia de que os abusos a que eram submetidas essas nações que as impediram de industrializar-se, ou o fato de produzirem além do necessário que sua posição comercial se deteriorou, mas foi porque essas economias eram débeis que se abusou delas e justamente por terem deteriorado sua posição comercial que as força a produzir em maior escala de forma a compensar. Isto é, rompe com a ideia de que poderia ter sido diferente se se houvesse escolhido políticas econômicas diferentes, foi justamente pelo fato da deterioração comercial que obrigou esses países a produzirem ainda mais produtos primários em uma retroalimentação da dependência.

Em outras palavras, enquanto tanto a teoria ortodoxa tradicional quanto a CEPAL entendem a economia como blocos de economias autônomas: “os países se enfrentam para obter benefícios”; não conseguem compreender, em seu método, a natureza da totalidade na qual esses países se inserem: um capitalismo cuja dinâmica mundial impõe a construção e reprodução das zonas periféricas e centrais (Caputo & Pizarro, 1970).


Neoliberalismo e plano real

A partir da década de 1990 o Brasil começa a passar por uma série de reformas que tomou conta de toda América Latina. Trata-se de um movimento ideológico-político-econômico que tenta afastar mais o Estado da vida econômica caracterizado como neoliberalismo.

O neoliberalismo caracteriza-se por um movimento ideológico que nasce a partir da II Guerra Mundial que tem como característica central a tentativa de reduzir o tamanho e a influência do Estado na economia e contra as políticas de Bem-Estar social (ANDERSON, 1995).

O Consenso de Washington, em 1989, as mudanças institucionais introduzidas pelos tratados de investimento e livre comércio e as imposições do Banco Central e dos Estados Unidos estabelecem novo modelo político econômico de acumulação para a América Latina: o neoliberalismo. Para Elías (2015) a ofensiva do capital, que emergiu nos anos 1970, com as ditaduras na América Latina, expressa uma segunda fase na conjuntura neoliberal.


Un modelo económico con fundamentos neoclásicos, que expresa una clara orientación de mercado con apertura externa, asumiendo la teoría de las ventajas comparativas por la cual el libre mercado llevaría a la convergencia de las economías.

En lo relativo a la inserción internacional, se impulsa una apertura de la economía sosteniendo que el único crecimiento viable es el crecimiento hacia afuera, propone una tasa de crecimiento en las exportaciones capaz de permitir que la economía crezca. (ELÍAS, 2015: 46).


Assim, impõe-se que a América Latina adote política no seguinte sentido:


En esa misma dirección, plantea la importancia de captar inversión extranjera directa como aporte de capitales, conocimiento y tecnología, a la vez que propone la liberalización fnanciera con tasas de interés determinadas por el mercado, rechazando que se trate a las tasas de interés reales como una variable de política. Propone mejorar el funcionamiento del mercado a través de la desregulación y del respeto a los derechos de propiedad que “constituyen un prerrequisito básico para la operación efciente de un sistema capitalista” (ELÍAS, 2015: 47).


Os capitalismos dependentes possuem uma “restricción para una dinámica interna de acumulación, porque si una parte del valor producido por ellos es transferido, se crea una imposibilidad estructural de acumular internamente ese valor” (CARCANHOLO, 2015: 270). O que o neoliberalismo faz é aprofundar os mecanismos estruturais do capitalismo dependente, através da transferência de uma maior e crescente parte desse valor produzido. Para superar essa parcela transferida, a forma mais comum do capitalismo dependente, é aumentar ainda mais a exploração dos trabalhadores através dos mecanismos de superexploração.

Na década de 1980, o Brasil atravessa um momento de crise histórica. A falta de estabilidade política e econômica, a falta de confiança na moeda, em virtude de seus processos hiperinflacionários, e taxas de crescimento negativas. Esse período


ficou conhecido tanto para o Brasil, quanto para a América Latina, de década perdida

(CARCANHOLO, 2015).

Maciel (2011) aponta que apesar de políticas de cunho neoliberal já poderem ter sido observadas antes, apenas no Governo Collor, em 1990, o projeto neoliberal emerge como alternativa brasileira às crises enfrentadas na década de 1980. O que se implementou foi abertura comercial, especialmente na redução e privatização de empresas estatais. Para isso, realizou-se intenso discurso de combate à inflação, “herança dos anos 1970-1980”.

A inflação brasileira era entendida em três vias que precisavam ser combatidas: monetária, fiscal e inercial (SIMOSEN, 1985). As duas primeiras relacionam-se com a redução do Estado. A primeira observa a necessidade de limitar a expansão dos meios de pagamentos, cujo déficit comercial, da via fiscal, costuma representar o principal foco da expansão monetária. A via inercial era, no entanto, uma característica específica da economia brasileira ligada à indexação da economia e, portanto, à inflação de aumento de custos.

Enquanto o Brasil passara por uma série de planos na década de 1980, com aspectos mais ortodoxos, apenas quando se identifica a problemática e importância da inflação inercial para a economia brasileira consegue-se sugerir uma medida eficaz de combate inflacionário. Em 1994 o governo brasileiro propõe o Plano Real como medida de combate a inflação.

Esse plano propunha, através da Unidade Real de Valor (URV), uma metodologia de cálculo inflacionário, que considerava os índices do IPC, IPCA e o IGP-M, para coordenação prévia dos preços relativos. Assim, instituíram-se tabelas que relacionavam a moeda antiga, com a nova moeda criada, o Real, que possuía equivalência de um para um com o Dólar. Com isso poder-se-ia encerrar a capacidade dos agentes econômicos de indexarem, formal ou informalmente, seus preços e repassarem automaticamente seus aumentos de custos para os preços, desindexando a economia.

Apesar da forte abertura de mercado promovida desde o começo da década de 1990, as principais medidas do pacote neoliberal são implementadas somente a partir da idealização do Plano Real. A caracterização era de que a inflação era o principal problema a ser combatido na economia, e que os esforços do Banco Central e o Estado brasileiro deveriam estar centrados em gerar estabilidade, o que atrairia investimentos.

O Plano Real foi eficaz no combate à inflação, mas suas políticas precisam ser analisadas em sua totalidade e o que representaram para a classe trabalhadora brasileira. Para Ouriques (2013) o plano representava um pacto de classes, no qual setores do empresariado, nacional e estrangeiro e proprietários de terra juntos com sindicatos mais fortes do país organizados em torno da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A ideia vem de uma larga campanha ideológica para convencer os trabalhadores de que a inflação é de natureza ruim por si só.

A inflação é a princípio, em essência, uma estratégia de transferir riqueza das classes populares para a classe dominante (OURIQUES, 1997). Considerado por economistas como resultado de conflito distributivo, de fato a inflação gera instabilidade e desconforto para a burguesia mais consolidada que pretende resguardar sua própria renda.


Ouriques aponta ainda que:


Contudo, isto não nos impede de afirmar que em períodos de inflação alta os trabalhadores podem perder menos do que em períodos de inflação baixa, e é assim que podemos destacar o caráter mitológico do combate à inflação que, em nome de diminuir as perdas das classes subalternas, não faz mais que aprofundar sua exploração. (1997: 132)


O Problema da inflação não é necessariamente corroer parte da renda, apenas o faz se o poder de barganha sindical foi baixo. Exemplo são os trabalhadores industriais de São Paulo que tiveram aumento salarial real de 15% em 1992 e de 11,1% em 1993 como indicam a tabela I.


Tabela I. Taxa Aumento Salarial Real Anual dos Trabalhadores da

Indústria de São Paulo comparada com aumento da inflação (1980-2005)


Ano

Variação do aumento Salarial Real

Taxa de Variação da Inflação

1980

4,5

99,25

1981

9,0

95,62

1982

11,5

104,79

1983

-4,8

164,01

1984

3,2

215,26

1985

13,4

242,23

1986

14,2

79,66

1987

-7,2

363,41

1988

8,5

980,21

1989

7,5

1972,91

1990

-12,0

1620,97

1991

-4,3

472,70

1992

15,9

1119,10

1993

11,1

2477,15

1994

9,5

916,46

1995

8,7

22,41

1996

5,5

9,56

1997

5,5

5,22

1998

4,6

1,65

1999

-1,6

8,94

2000

2,7

5,97

2001

-0,7

7,67

2002

1,3

12,53

2003

-3,8

9,30

2004

4,0

7,60

2005

0,1

5,69


Elaboração do autor com fonte no IPEADATA


Não há uma relação direta simples entre inflação e perda de renda por parte da classe trabalhadora organizada sindicalmente. O que há em períodos de grande inflação é uma redistribuição da renda, o que preocupa aqueles que estão mais centrados na estabilização do modelo, ou seja, a grande burguesia. A consequência negativa real para os trabalhadores em hiperinflação está menos relacionada, quanto mais organizados forem sindicalmente. O problema negativo são os pacotes de medidas que o governo poderá adotar para conter o processo inflacionário.

A política do Plano Real que tratou de gerar o caos em cima da propaganda contra a inflação e que, quaisquer medidas que o governo tomasse seriam melhores do que a inflação. O Estado brasileiro propõe uma série de medidas que aprofundam a dependência e aumentam a superexploração do trabalho.

O método da criação da URV serviu como um mecanismo de supervalorização cambial. Para Ouriques (2013) a tentativa de estabilizar a moeda através deste mecanismo mostra- se eficaz no curto prazo no controle da inflação, porque:


Para isso, elevam-se as taxas de juros como medida para atrair capitais, construindo um colchão de reservas necessário à estabilização, como também para equilibrar a conta de capitais. Para tornar mais atrativa esta entrada de recursos, afirma-se que a venda das estatais faz com que os capitais adquiram a forma de investimento produtivo e não apenas uma valorização financeira derivada das altas taxas de juros. Mata-se, portanto, “dois coelhos com uma cajadada”. Contudo, este “equilíbrio” permitido pela via das altas taxas de juros atua ao mesmo tempo contra a produção, com duplo efeito. O primeiro consiste em reforçar o processo denominado por alguns economistas de “financeirização da riqueza”, tornando sempre mais atrativo o investimento em ativos financeiros em relação à produção; o segundo, é que as altas taxas de juros comprometem a saúde financeira das empresas, em particular as pequenas e médias em primeiro momento, e finalmente, as grandes no médio e longo prazos. (OURIQUES, 1997: 133)

A ideia é tentar usar o capital externo como alavanca para tentar sair do processo inflacionário, no entanto os benefícios acabaram por se tornar do capital financeiro. Somado há essa política de controle inflacionário via aumento da dependência do capital financeiro externo, o discurso abordava, ainda, a redução da máquina pública.

A manutenção do Plano Real nos anos subsequentes vem com políticas de “ajuste fiscal”. A ideia da redução do déficit tanto na balança de pagamentos quanto o déficit público. O aumento das exportações era incentivado para aumentar o superávit na balança comercial diminuindo o impacto negativo na conta corrente (OURIQUES, 2013).

Do lado do déficit público, a proposta era cortar gastos sociais e do funcionalismo público principalmente através das privatizações de empresas estatais. “[...] umas das razões da inflação – quando não a mais importante – é o déficit público (OURIQUES, 1997: 135)”.

Para Biondi (2003) as privatizações contemplaram um verdadeiro desmonte do Estado, pois não contribuíram para reduzir o “rombo” e as dívidas do Tesouro. Chega-se ao final de 1999 com pagamento de juros na casa dos 130 bilhões. Além disso, Ouriques


(1997) aponta ainda que as privatizações são realizadas muitas vezes com “moedas podres”, ou seja, títulos do próprio governo com valor de mercado rebaixado. O resultado é que ao contrário de reduzir, o processo aumenta ainda mais o déficit público a dívida pública se multiplica muitas vezes com o avanço das políticas neoliberais do Plano Real.

Os governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) promoveram um desmonte do Estado, mas não apenas isso, vincularam a uma abertura econômica que promoveu um aumento gigantesco da dívida externa. Nessa ligação, o aumento do déficit na balança de rendas que configura a dependência externa, em especial do capital financeiro especulativo. Paulani aponta:


A piora estrutural das contas externas do Brasil é certamente uma das mais perversas heranças legadas pelo governo FHC. A abertura externa estabanada, além de elevar a dependência externa do país em setores estratégicos como os de insumos básicos e bens de capital, produziu um substantivo estoque de capital privado nacional bom e barato que foi parar nas mãos do capital estrangeiro. [...], a balança de serviços é hoje muito mais pesada, por conta do aumento do déficit na balança de rendas, resultado inescapável da duplicação do passivo externo líquido do país. (2003: 64)


Nesse período, o déficit na balança de rendas (lucros, dividendos e juros) que era de US$ 11 bilhões em 1980, passa a ser de US$ 15 bilhões entre 1990-96 e de US$ 19 bilhões após 1997. Soma-se isso à necessidade de recorrer ao FMI em 2001 e 2002 para tentar reequilibrar as contas externas e temos um aumento da vulnerabilidade econômica (PAULANI, 2003). Aumenta-se a necessidade de exportar produtos primários em conjunto com a superexploração.


Governo PT e a manutenção do sistema

A expectativa dos trabalhadores num projeto que representasse uma mudança real na dependência brasileira e no desenvolvimento do país que fosse transmitido em ganhos reais à classe trabalhadora foi a eleição, em 2002, do primeiro governo que se propunha a lutar pelos seus interesses e que tinha afrente um operário. O Partido dos Trabalhadores (PT) surge como essa nova esperança, capaz de romper com o velho e promover vitórias e avanços sociais.

No entanto, Paulani (2003) caracteriza o governo do PT, em suas políticas econômicas, como TINA (There Is No Alternative – não há alternativa). A política econômica seja de direita, de esquerda ou de centro é fundamentada numa base técnica; neutra, como se houvesse apenas uma dicotomia entra a política certa e a política errada, irresponsável, utópica ou populista. Portanto, bastariam ajustes na esfera macroeconômica:


O spread bancário é alto? Mexa-se na lei de falências; a renda é mal distribuída? Basta “focar” os programas sociais e aumentar sua eficiência; e assim por diante. São intocáveis o ajuste fiscal “duro”, o juro real elevado, a política


monetária contracionista, o câmbio flutuante, a livre movimentação dos capitais.

(PAULANI, 2003: 59)


A única maneira de fazer política econômica seria realizar as políticas sugeridas pela via neoliberal, isto é, política monetária atrelada a metas inflacionárias, política fiscal aos superávits e a cambial é comandada pelo próprio mercado. A ideologia do discurso por trás dessa política econômica é a manutenção da “credibilidade”.

Paulani (2003) afirma que isso seria um engano, uma vez que atingida a pretensa “credibilidade” não se chegaria nunca o momento de se fazer uma política indutora do crescimento e do emprego. Nada mudou nas políticas fiscal e monetária. E aqueles que acreditaram que as políticas liberais do governo PT seriam temporárias e estratégicas, dada “a herança maldita” do governo FHC, estavam miseravelmente enganados.


As autoridades econômicas deixaram muito claro, desde o início da gestão Lula, que seria esse o modelo a ser seguido e que, portanto, a recuperação da economia do país, a retomada do crescimento e a redução do desemprego teriam que se encaixar dentro dessas regras ou então não se efetivariam. (PAULANI, 2003: 60)


Mas a quem serviria essa “credibilidade”, uma vez que qualquer política contrária a ela (como a promoção do emprego e do desenvolvimento) estaria fadada a ameaça-la? A “credibilidade” pela qual são exigidos pesados sacrifícios é necessária para manter a vulnerabilidade do país, não a sua estabilidade (PAULANI, 2003).

Gonçalves (2011) aponta que não houve no governo Lula nem grandes transformações, nem reversão de tendências estruturais e nem predominância de visão desenvolvimentista nas políticas de governo. Pelo contrário, apresenta uma estrutura de desindustrialização e dessubistituição de importações.

O que sugere que o governo Lula não só não rompeu com o modelo de “credibilidade” com foco nas metas de inflação e na política de criação de superávits, como aprofundou as relações de vulnerabilidade e dependência. Houve, para Gonçalves (2011) uma reprimarização da economia nas pautas de exportação, a necessidade de exportar a todo custo promoveu um aumento do setor primário e uma redução da produção de manufaturados no valor das exportações.


Tabela II. Reprimarização das exportações: Indicadores, 2002-10


Produtos segundo o fator agregado

Ano

Básicos

Semimanufaturados

Manufaturados

Total

2002

25,5

15,3

56,8

100

2003

26,6

14,9

56,1

100

2004

28,2

14,5

55,1

100

2005

29

14,3

54,7

100

2006

29,3

14,1

54,7

100

2007

30,1

13,8

54,2

100

2008

31,9

13,7

52,1

100

2009

34,7

13,7

49,4

100

2010

38,5

13,7

45,6

100

(Distribuição % do valor das exportações) Fonte: Gonçalves, 2011: 4.


Além disso, Gonçalves (2011) aponta ainda que há um aumento da dependência tecnológica. O déficit tecnológico, quando medido a diferença entre o valor das importações de bens altamente intensivos em tecnologia e de maior valor agregado, esse déficit passou de US$ 19 bilhões em 2002 para US$ 60,7 bilhões em 2010.

A essência desse movimento de desindustrialização e reprimarização, típicos no período neoliberal brasileiro, não se alteraram no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff (2011-2014). Espósito (2017) aponta que, apesar da diminuição relativa da indústria na composição do PIB brasileiro ter começado após o auge da década de 1980, os governos do PT não reverteram essa conjuntura, mas aprofundaram-na; e ressalva que ainda que a desindustrialização tenha ocorrido como um processo global, no Brasil essa relação ocorre de maneira mais intensa. Se comparada à produção industrial mundial: “Em 1980, o Brasil possuía 2,8% da produção mundial industrial, valor que decaiu para 2,0% em 1990, e depois para 1,7% nos anos 2000 – mantendo essa porcentagem, em 2010.” (ESPÓSITO, 2017: 126).


Para ter uma dimensão desta queda, a participação industrial, em 2013, era de 13,13%, enquanto em 1985, ano em que a o setor industrial atingiu a maior participação relativa, era de 35,88% do total. A participação industrial na atualidade encontra-se menor, inclusive, do que em relação a 1947, ano em que se iniciaram as pesquisas, quando essa taxa era de 19,89%. Isso significa que, na atualidade, a participação do setor manufatureiro apresenta-se quase 35% inferior ao que se observava antes da fase de maior impulsão do desenvolvimento industrial brasileiro. (ESPÓSITO, 2017: 126).


Essa queda, ainda segundo Espósito (2017), foi puxado pela principalmente pela indústria de transformação, o que é significativo, pois esta apresenta maior capacidade de agregação de valor e de desenvolvimento tecnológico. Os destaques negativos estão na indústria de veículos automotores que perdeu participação na indústria total brasileira de 11,36%, em 2011, para apenas 8,58% em 2014; e setores produtores de máquinas e equipamentos, em especial produtor de equipamentos de informática, caracterizados pela alta complexidade tecnológica.


A parcela do valor efetivamente adicionado pela indústria de transformação apresentou queda significativa no período analisado, saindo de 46,06% em 1996 para 41,70% em 2014. Quando se analisa a evolução pelas categorias de uso, observa- se que este movimento deu-se nos três grupos destacados [setores produtores de bens de consumo predominantemente não duráveis (GI), setores produtores de bens de consumo predominantemente intermediários (GII) e setores produtores de bens de consumo predominantemente duráveis e de capital (GIII)]. Contudo a queda ocorreu de modo mais intenso no GIII – saiu de 45,5% em 1996 para 38,7% em 2013 (ESPÓSITO, 2017: 130).


Qual a característica, portanto, do neoliberalismo para manter a estabilidade macroeconômica e garantir o crescimento? Isso deverá se concretizar com políticas ortodoxas ou heterodoxas; governos de direita ou de esquerda? Para Carcanholo (2015) a resposta é pouco importa, isso depende do ambiente conjuntural. O importante é manter as políticas em essência, as características de:


Todas las reformas estructurales del neoliberalismo, de su corazón, de su núcleo, las privatizaciones, los procesos de apertura comercial y fnanciera, los procesos de desregulación de los mercados principales, de trabajo, financiero, todo el paquete de reformas estructurales neoliberales, profundiza, aumenta los mecanismos estructurales de transferencia del valor producido en el capitalismo dependiente hacia las economías del centro capitalista mundial. Esto quiere decir que el neoliberalismo profundiza la característica estructural de las economías dependientes. (CARCANHOLO, 2015: 266)


É isso a que se propõem os governos do PT desde o primeiro governo, quando se assume que o principal papel do Estado seria, mantendo as políticas neoliberais do governo anterior, a economia focava apenas na manutenção das políticas monetária e fiscal restritivas de combate à inflação e com objetivo de obter superávits primários para garantir o pagamento dos serviços da dívida pública, aliados com fraca regulamentação cambial. Isso leva Carcanholo (2015: 279) a concluir que: “Dilma no hace un gobierno de izquierda porque esa nunca fue su propuesta. Y esa nunca fue su propuesta porque no está de acuerdo con la estrategia de desarrollo de los gobiernos del PT desde 2003, cuando asume la presidencia Luiz Inácio Lula da Silva.”

O que mudou foi apenas a conjuntura econômica mundial. Nos primeiros governos do PT, as maiores taxas de crescimento, sem pressões inflacionárias, junto com políticas sociais compensatórias se apresentam, mesmo sem modificar a estratégia política e


econômica, porque o cenário entre 2001-2007 extremamente favorável. Esse cenário

muda a partir da crise de 2008 e a resposta foi:


[...] el gobierno intenta contener los impactos de la crisis con la reducción de impuestos para algunos sectores productivos, la expansión del crédito para fnanciar el consumo de las familias y, con eso, garantizar mercados para la producción que buscaba mantenerse. Se trató de una tímida política económica anti-cíclica, no ortodoxa, pero aún dentro de la misma estrategia neoliberal de desarrollo (CARCANHOLO, 2015: 281).


Carcaholo argumenta, ainda, que


(i) la economía brasileña creció más que en periodos anteriores, pero comparada con las otras economías de América Latina y El Caribe, solo creció más que la economía haitiana; (ii) por la profundización de las reformas neoliberales (hechas durante todos los gobiernos del Partido de los Trabajadores), los problemas estructurales de la economía brasileña se agravaron (reprimarización de sus exportaciones, relativa desindustrialización y fuerte crecimiento del pasivo externo). De esa forma, cualquier reversión en el escenario externo coyuntural y los problemas estructurales crecientes, se manifestarían de forma agravada. (2015: 280-281)


Em suma, os governos petistas seguem a linha neoliberal, imposta à economia brasileira desde a década de 1990, aprofundam as relações do Plano Real e, ainda que com um discurso alternativo, de esquerda, representaram o agravamento das condições de dependência brasileira. Após a crise de 2008, quando a situação favorável da conjuntura mundial se reverte, e o capital exige aumentos na superexploração nos países dependentes, o Brasil, com o a manutenção do programa neoliberal, encontra-se vulnerável, com a economia em franca desindustrialização.


Conclusão

Os estudos que se afastaram da análise de classe dentro da sociedade acabaram por se manter na totalidade caótica. Quando as correntes desenvolvimentistas e cepalinas propuseram uma saída nacional e industrializante para a deterioração dos termos de troca, não entendem os motivos de, diante das relações de poder internacionais e dos organismos e instituições de pressão, ser impossível uma saída que não seja uma ruptura radical com o modelo apresentado.

O Estado brasileiro não representava um espaço de disputa entre estratos sociais, mas uma instituição de interesses das classes dominantes. A aliança que essas classes realizam com os projetos do imperialismo representam a chave da aplicabilidade do neoliberalismo na América Latina. No Brasil, em nome de uma “credibilidade” que atraísse capitais, reduziu-se o papel do Estado ao controle inflacionário.

A consequência foi um intenso processo de desindustrialização e reprimarização da economia a partir do neoliberalismo, na década de 1990. Esse processo que se iniciou


com o governo Collor, foi aprofundado no Plano Real e nos governos FHC, e mantido, em essência, nos governos petistas.

A caracterização do Estado brasileiro, a partir de 2002, pode apresentar diferenças pontuais, porque houve esgotamento, nas relações com os trabalhadores, dos modelos privatizantes e de desmonte do Estado a partir das crises em 1999-2001.

A retórica do discurso do Partido dos Trabalhadores apresentava-se como alternativa de esquerda ao neoliberalismo. Mas suas diferenças foram pouco claras com os governos anteriores, uma vez mantida a estrutura geral dos pilares econômicos do tripé: das políticas fiscais, monetária e cambial. Em outras palavras, o discurso não impediu o governo de continuar o desmonte do Estado, as privatizações e o foco no controle inflacionário.

Quando as condições externas foram favoráveis, mesmo que se houvesse mantido a essência dessa política econômica neoliberal, foi possível crescimento econômico, ainda que limitado. Houve aumento de consumo via expansão do crédito, isto é, do capital fictício. Em conjunto com controle dos principais aparatos sindicais e movimentos populares, permitiu governabilidade aos governos petistas, ainda que com as políticas neoliberais.

Quando as condições externas mudam, com a crise de 2008, a situação de manutenção dessa política se esgota. Como houve aprofundamento do desmantelamento do Estado, e consequentemente a desindustrialização da economia; o Brasil tornou-se mais dependente e vulnerável às políticas e planos externos. Nesse caso, para tentar recuperar o crescimento, a economia dependente tende, ao exportar cada vez mais produtos primários, intensificar da superexploração do trabalho para compensar a deterioração dos termos de troca, isto é, a maior transferência de valor da economia periférica aos países centrais do capitalismo.


Referências

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Separata: Rigoberto Lanz El ‘Progreso’ de la Barbarie.



Vol 27, N°3


Esta revista fue editada en formato digital en septiembre de 2018 por su editorial; publicada por el Fondo Editorial Serbiluz, Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela


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