Efeitos do trabalho infantil sobre a escolaridade, a renda e a condição ocupacional de trabalhadores adultos da região sul do Brasil em 2015

Edicléia Lopes da Cruz Souza y Talita Egevardt de Castro

Resumo

Existe uma preocupação mundial com relação aos efeitos nocivos do trabalho infantil e seus reflexos sobre a condição de vida dos indivíduos. Esta problemática tem sido foco de diversas discussões entre pesquisadores, Estado e entidades sociais, como este estudo que teve por objetivo analisar os efeitos do trabalho precoce na escolaridade, nos rendimentos e na condição da ocupação de um indivíduo adulto que foi trabalhador infantil. Para tanto, realizou-se uma análise estatística e econométrica de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2015, referentes aos trabalhadores com idade entre 18 e 70 anos, dos estados da região Sul brasileira. Os resultados mostraram que: do total de trabalhadores investigados na região, 38% eram trabalhadores informais. Nos três estados sulinos, mais de 55% desses trabalhadores na informalidade começaram a trabalhar com até 14 anos. Quanto ao rendimento, obteve-se que as pessoas que ingressaram no trabalho com menos de 10 anos tiveram média de rendimentos mensal menor, se comparada à média dos ingressantes após os 18 anos. Na mesma direção, quanto menor a idade que começou a trabalhar, menor a média de anos de estudo apresentada. Nos três aspectos investigados, os trabalhadores da área rural estavam em pior condição: a informalidade entre eles era maior, a renda e a escolaridade menores. Por fim, esta pesquisa reforça que o trabalho infantil é uma problemática humana, social e econômica latente no tempo, que carece de esforços do Estado e da sociedade para a sua completa erradicação

Palavras-chave: Trabalho infantil; Escolaridade; Renda; Condição na ocupação. Ingresso no trabalho

Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Vila Nova, Francisco Beltrão, Brasil.

E-mail: edicleia.souza@unioeste.br E-mail: talita.egevardt@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4213-4069 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2463-4692

Recibido: 24/09/2020 Aceptado: 07/03/2021

Effects of child labor on education, income and occupational condition of adult workers in the southern Brazil in 2015

Abstract

There is a worldwide concern regarding the harmful effects of child labor and its effects on the living conditions of individuals. This issue has been the focus of several discussions between researchers, the State and social entities, such as this study which aimed to analyze the effects of early work on schooling, income and the condition of the occupation of an adult individual who was a child worker. For this purpose, a statistical and econometric analysis of data from the National Household Sample Survey, 2015, was carried out, referring to workers aged between 18 and 70 years, from the states of the southern region of Brazil. The results showed that: of the total number of workers investigated in the region, 38% were informal workers. In the three southern states, more than 55% of these informal workers began to work when they were 14 years old. In terms of income, it was found that people who entered work with less than 10 years old had a lower average monthly income, when compared to the average of those entering after 18 years old. In the same direction, the lower the age that you started working, the lower the average years of study presented. In the three aspects investigated, rural workers were in a worse condition: informality among them is greater, income and education are lower. Finally, this research showed that child labor is a human, social and economic problem latent in time, which lacks efforts by the State and society for its complete eradication

Keywords: Child labor; Education; Income; Occupation condition. Entry to work.

Introdução

O trabalho de crianças e adolescentes que outrora significava o início de um processo contínuo de aprendizado e preparação para a vida adulta perdeu esse sentido. Perpassou por períodos de mudança estrutural nas sociedades em que as famílias lançaram as suas crianças no trabalho para complementar a renda e garantir a subsistência familiar, tal qual ocorrera a partir da revolução industrial inglesa. E numa outra dimensão, o trabalho era a forma pela qual se educava, tirava e protegia da marginalidade, como ocorrera com as crianças de rua no século XIX e em quase todo o século XX. E, ainda hoje, especialmente em países subdesenvolvidos, o trabalho infantil é fortemente associado à pobreza e considerado como um atenuador dos seus efeitos, atuando também como um preventivo da criança ou adolescente se envolverem com a vadiagem e a criminalidade.

No entanto, é temerário considerar o trabalho precoce como medida preventiva, solução ou um meio de formação de um indivíduo, pois, na maioria dos casos, impede a criança de desfrutar a sua infância, brincar, sonhar e de se desenvolver livremente. As consequências do trabalho precoce, tanto para a criança quanto para o seu entorno, superam os benefícios por ele gerados, até porque os efeitos podem ser latentes e se estenderem para a vida adulta dos indivíduos.

De acordo com a Organização Internacional do trabalho (OIT), que também atua no Brasil, o trabalho infantil além de ilegal priva as crianças e adolescentes de uma série de direitos, dentre os quais: gozar de uma infância saudável, frequentar a escola e de estudar regularmente. Por ser ao mesmo tempo uma das causas e também efeito da pobreza e da ausência de oportunidades para desenvolver as capacidades individuais, o trabalho infantil impacta o nível de desenvolvimento das nações e, muitas vezes, leva indivíduos ao trabalho forçado na vida adulta (OIT/BRASIL, 2020).

De acordo com a Convenção n.138, de 1973, desta Organização, não deve ser admitido a pessoas com idade inferior a dezoito anos qualquer tipo de emprego ou trabalho que, por sua natureza ou circunstância em que é executado, possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral dos indivíduos (OIT, 1973). Mesmo assim, de acordo com o relatório global sobre o trabalho infantil divulgado por esta mesma instituição, em 2015, de todas as crianças e adolescentes existentes no mundo, com idade entre cinco e 17 anos, cerca de 168 milhões estavam em situação de trabalho infantil (ILO, 2015). Quase a metade destes indivíduos estava engajada nas piores formas de trabalho infantil que, segundo a Convenção n.182 da OIT (1999), são atividades prejudiciais à saúde, à segurança e à moral da criança ou adolescente.

No Brasil, criança é definida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como todo indivíduo que está com idade inferior a doze anos. Ao passo que, os adolescentes são todas as pessoas com idade entre 12 e 18 anos incompletos. Logo, cronologicamente estes são os intervalos de idade em que se caracterizam a infância e a adolescência dos indivíduos, respectivamente. Este mesmo instrumento legal proíbe qualquer atividade laboral para indivíduos menores de 14 anos, liberando aqueles acima desta idade na condição de aprendiz. Estabelece, porém, que até aos 18 anos a atividade laboral desempenhada pelo adolescente não pode ser em período noturno, perigosa ou insalubre (ECA, 1990). Mas, segundo dados da OIT (2020), existia em 2015 cerca de 2,7 milhões de crianças e adolescentes, na faixa etária de cinco a 17 anos, exercendo alguma atividade laboral no país, presentes em todos os setores econômicos.

Na região Sul do Brasil, neste mesmo ano, o trabalho era exercido por mais de 509,2 mil indivíduos nesta faixa etária. Esta região tem o segundo maior PIB regional, ficando atrás apenas da região Sudeste. E, no entanto, é alta a quantidade de crianças e adolescentes que ainda se engaja no mercado de trabalho em seus estados, o que a fez ocupar, em 2016, a primeira posição no ranking de trabalho infantil em termos de proporção de crianças de 5 a17 anos trabalhando (PNAD, 2015; PNAD, 2016).

Ainda, de acordo com a PNAD (2015), esses indivíduos estavam admitidos em ocupações em todos os setores produtivos da região, mas eram as atividades agropecuárias que absorviam a totalidade dos trabalhadores infantis de 5 a 9 anos nos estados sulinos e também empregava a grande maioria das crianças com idade entre 10 a 11 anos. Já os adolescentes de 12 a 14 anos e 15 a 17 estavam concentrados, majoritariamente, em atividades do setor de comércio e serviço. Na região como um todo, havia a predominância de meninos trabalhadores em relação às meninas e é entre eles que se concentrava a maioria dos indivíduos que só trabalhava ou trabalhava e estudava. Os meninos que só trabalhavam eram duas vezes mais em relação às meninas.

O estado do Paraná, dentre as unidades federativas tem a 4ª maior incidência de trabalho infantil, seguido do Rio Grande do Sul, na 5ª posição. Santa Catarina ocupa a 8ª colocação (IBGE, 2012). Nestes estados, nenhuma das crianças de 5 a 9 anos trabalhadoras recebiam rendimentos pelo trabalho executado. Em igual situação estava a maioria dos adolescentes de 10 a 14 anos (PNAD, 2015). Ressaltando que esses dados evidenciam que o trabalho infantil não é uma problemática socioeconômica restrita às regiões pobres ou somente aos estados menos desenvolvidos do país.

A quantidade de crianças e adolescentes trabalhadores denota que, mesmo com o envolvimento do Estado, da sociedade e da família, ainda há um grupo substancial de indivíduos, inclusive menores de 14 anos, trabalhando em todas as regiões brasileiras. Isso reforça a necessidade de se discutir a problemática do trabalho infantil, tendo em vista todos os efeitos adversos associados à sua incidência.

Na literatura nacional e internacional há uma convergência em se considerar que o trabalho precoce é prejudicial às crianças e aos adolescentes, especialmente por estarem em fase de formação física, mental e psicológica. As sequelas podem atingir intensidades diferentes conforme, dentre outros fatores, a idade dos indivíduos e a natureza da atividade praticada e o tempo nela despendido e, ainda, se estender para a sua vida adulta. Assim, esta pesquisa tem como objetivo verificar se o trabalho na fase infantil influenciou o nível de escolaridade, a renda e a condição na ocupação dos trabalhadores adultos nos estados da região Sul brasileira. É, portanto, uma discussão que propõe um caminho inverso de análise, ou seja, partindo dos adultos que foram trabalhadores infantis.

A pesquisa está estruturada em 5 Seções: a primeira consiste nesta introdução, apresentando o tema e o objetivo da pesquisa. A Seção 2 expõe uma síntese de pesquisas sobre os riscos e as vulnerabilidades que crianças e adolescentes trabalhadores estão suscetíveis, ressaltando os efeitos sobre a escolaridade e a educação dos indivíduos. Na sequência, está a descrição da metodologia conformando a Seção 3. A apresentação dos dados, a análise e discussão dos mesmos se dá na Seção 4. Por último, as principais considerações finalizam o estudo.

Riscos e vulnerabilidades do trabalho infantil

Foi somente a partir das últimas décadas do século XX que o emprego da mão de obra de crianças e adolescentes passou a permear mais frequentemente as discussões sob o ponto de vista social. A percepção em torno dos efeitos perversos do trabalho infantil se intensificou na comunidade internacional por meio de pesquisas e campanhas de órgãos como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e OIT, chamando a atenção para os impactos negativos do trabalho precoce na vida da criança, se estendendo para a sua fase adulta e, consequentemente, no próprio desenvolvimento econômico de um país.

Revisando a literatura, desde o final do século XIX, com em Jama (1893), já havia relatos científicos sobre a preocupação com a saúde do trabalhador infantil. Na época, a lei proibia a admissão de crianças menores de quatorze anos de idade nas fábricas. Todos os adolescentes entre quatorze e dezesseis anos, para trabalhar, deveriam ter um certificado emitido por um médico autorizado, afirmando que se encontravam em bom estado de saúde e de desenvolvimento.

O impacto do trabalho infantil sobre a escolaridade também já era uma preocupação no século XIX, conforme demonstra relato publicado na revista inglesa Lancet sobre a atuação da legislação que previa as condições de trabalho e frequência escolar para as crianças. De fato, as leis eram falhas e adaptáveis conforme o país, mas, as que existiam impunham restrições legais em relação à idade e à escolaridade para o trabalho de crianças em fábricas, oficinas e minas. Em algumas ocupações, entretanto, não existiam tais limitações. Do ponto de vista de saúde pública, quanto mais jovem a criança, mais necessário se era evitar o seu trabalho. Nos termos da lei, de 23 de março de 1877, nenhuma criança com idade inferior a quatorze anos podia ser empregada em uma fábrica (LANCET, 1893).

Em outro relato a Lancet (1899) revela a jornada que crianças e adolescentes enfrentavam entre trabalho e escola ou só no trabalho. Muitos deles trabalhavam mais de 40 horas na semana, inclusive no horário escolar, e atuavam em várias atividades de comércio, serviços e no trabalho doméstico. O relato foi do Dr. Francis Warner, um estudioso do físico e das capacidades de crianças em idade escolar. Esse mesmo cientista declarou que a capacidade de adquirir e assimilar o conhecimento atingia o auge quando a criança estava tranquila, sem fadiga. Muitas crianças em idade escolar que trabalhavam apresentaram mais fadiga cerebral, manifestada na imprecisão e dificuldade de coordenar movimentos voluntários. Além disso, movimentos descontrolados como espasmos dos dedos, contração da testa, equilíbrio desigual de braços abertos, eram mais frequentes nessas crianças trabalhadoras.

No entanto, Galli (2001) chamou a atenção para o fato de que a maior parte da literatura recente sobre o trabalho infantil está centrada nos determinantes dessa prática. Provavelmente, isto ocorre em função de que é essencial conhecê-lo para se estabelecer políticas e instrumentos de erradicação. Para o autor, a literatura sobre as consequências, especialmente econômicas, do trabalho infantil ainda é escassa e dispersa quando comparada à literatura sobre o que determina essa condição. Ressalta que é igualmente importante que se compreenda qual é o impacto econômico e social do trabalho infantil e de sua redução para que se implementem políticas mais direcionadas.

Autores como Alberto (2007); Jorge (2007); Kassouf (2002); Moura (2004); Osment (2014); Nanfosso e Ntamack (2005); Nicolella (2006); Souza e Pontili (2008) e Souza (2011) tiveram diferentes olhares sobre a temática do trabalho infantil, mas, seus apontamentos convergem ao considerarem as consequências que o trabalho precoce pode acarretar para os indivíduos. Os referidos autores são unânimes em dizer que o trabalho precoce é prejudicial às crianças e adolescentes.

Mantovani (2012) buscou compreender o trabalho infantil, o seu significado e as suas consequências a partir da perspectiva e concepção de pessoas que foram trabalhadores na infância e de profissionais da educação que lidavam com crianças e adolescentes trabalhadores. As observações da autora levam à constatação de que, em pleno século XXI, ainda há a percepção por uma parte da população de que o trabalho infantil instrui, disciplina e forma o ser humano. Isto evidencia como as questões culturais são muito importantes na discussão do trabalho infantil.

Resultados semelhantes também foram encontrados por Nascimento (2011) ao estudar o trabalho infantil em uma estrutura de campesinato. Destacou que nas famílias trabalhadoras, o trabalho de crianças e adolescentes tem marcas simbólicas e que, por isso, tem uma importância similiar à da educação no sentido de formar e dignificar o indivíduo. Muitos pais ainda percebem o trabalho como símbolo de respeito, de ter direitos e evitar que a criança seja tratada como indolente ou vadia. Dentre os significados que deram ao trabalho, consideram-no também como uma maneira de distanciar os filhos da criminalidade.

No entanto, a autora supracitada também aponta que atribuir ao trabalho o papel de educador, dignificador ou protetor é uma forma de justificar a inserção precoce de crianças e adolescentes no trabalho. O fato é que estes indivíduos formam um estoque de mão de obra barata e de fácil acesso e, muitas vezes, o trabalho infantil só não é aceito pela sociedade quando exercido em situações degradantes, como no corte de cana, no sisal, nas pedreiras, etc. As colocações sugerem, portanto, que se em condições menos severas, a sociedade pode mudar a sua concepção quanto ao trabalho infantil aceitando-o. Até porque, o número de crianças trabalhando no mundo ainda atinge a casa dos milhões evidenciando certa convivência pacífica por parte das sociedades.

O que parte das sociedades ainda não se deu conta é do quanto o trabalho precoce pode gerar de prejuízos, sociais e econômicos, quando comparados aos seus benefícios. Kassouf, Dorman e Almeida (2005) mensuraram os custos e benefícios econômicos da eliminação do trabalho infantil no Brasil. Os pesquisadores confrontaram os custos de prover escolas públicas, o custo de oportunidade de eliminar o trabalho infantil e os custos de eliminar o trabalho infantil nas piores formas, versus os ganhos econômicos resultantes de uma população mais educada e mais saudável. Os custos somaram 7 bilhões de dólares enquanto que os ganhos foram de 35 bilhões de dólares. Isto significa que, do ponto vista econômico, eliminar o trabalho infantil é mais lucrativo do que admitir o emprego da mão de obra de crianças e adolescentes.

As maneiras como o trabalho infantil pode afetar as crianças trabalhadoras são diversas e os seus resultados também são variados. Mas, para o UNICEF (2015a), os indivíduos mais jovens e inexperientes tendem a sofrer em intensidade desproporcional. A situação do trabalhar precocemente é nociva em todos os setores econômicos. Porém, algumas atividades são ainda mais prejudiciais, como nos casos de piores formas trabalho infantil1. O UNICEF (2015a) expõe que dentre as várias sequelas decorrentes do trabalho estão problemas de saúde, lesões, doenças, incapacidade de leitura e escrita.

Ike e Ankrah (1999) relatam os impactos psicológicos decorrentes do trabalho precoce. O estresse psicológico e emocional do trabalho, combinado com o fato de a criança ter que abdicar das brincadeiras com outras crianças e o convívio social, pode destruir a personalidade de uma criança. O abuso emocional e a negligência, a separação da família, a monotonia da atividade e a responsabilidade que assumem precocemente podem se traduzir em sequelas irreversíveis à criança.

Para Ferreira (2012) o trabalho infantil é uma forma de violência e propicia o adoecimento de crianças e adolescentes. É uma fonte de estresse mantida na invisibilidade da assistência. O estresse pós-trabalho, que se manifesta no corpo e na mente da criança e do adolescente trabalhador, demanda cuidados que não estão incluídos no campo de intervenção dos profissionais de programas governamentais de assistência. As declarações de familiares de trabalhadores infantis descrevem as alterações nos padrões de comportamentos – como humor, sono, relações sociais - bem como os sinais de sofrimento psíquico na mente e no corpo de criança e adolescente trabalhador.

A partir de uma análise do discurso de crianças trabalhadoras, Ferreira (2012) captou que, mesmo com o passar do tempo e já afastadas do trabalho, os estímulos dolorosos que as crianças sentiam em várias partes do corpo – como mãos, costas, pescoço, cabeça, pernas – ao realizarem tarefas, se mantém na memória. A autora explica que repetições por longo tempo de um estímulo doloroso, podem ocasionar uma memória de dor no indivíduo. Desse modo, mesmo que ele não realize mais a tarefa, ainda sente os mesmos impulsos de dor de quando a fazia. Isso caracteriza o que ela também chamou de estresse pós-trabalho infantil e ressalta a necessidade de acompanhamento e monitoramento do processo de crescimento, desenvolvimento e do estado de saúde da criança.

Nicolella (2006) também mostrou que a criança que exerce qualquer atividade laboral sofre impactos negativos em sua saúde. E quanto maior o tempo dedicado ao trabalho, pior pode ser o seu status de saúde. O autor chama a atenção para a existência de um círculo vicioso envolvendo trabalho infantil e saúde, pois ao chegar à idade adulta, indivíduos menos saudáveis, mal-empregados e mal remunerados estarão mais vulneráveis a inserir suas crianças no mercado de trabalho e perpetuar o círculo. Dall’Agnol (2011) compartilha essas mesmas preocupações e evidências.

Os autores elencados dão uma prévia dos registros na literatura de quão prejudicial é o trabalho infantil para os indivíduos. No cerne dessa discussão quase sempre está presente o efeito sobre a educação. De acordo com o UNICEF (2015a) as crianças que não estão na escola estão mais vulneráveis de serem colocadas para trabalhar. Ao mesmo tempo, as crianças que estudam, mas também trabalham são mais propensas a abandonar a educação e à reprovação, pois o trabalho concorre com o tempo e a energia para ir à escola. O trabalho infantil mostrou ser a razão predominante para a retirada de crianças de escolas em várias partes do mundo. O abandono da escola coloca essas crianças, ao longo de suas vidas, em desvantagem, dificultando suas chances de conseguir um trabalho digno e escapar da pobreza e exploração.

Putnick e Bornstein (2015) verificaram se o trabalho infantil é uma barreira para a matrícula escolar de crianças em países de renda baixa e média. O estudo reforça que nesta relação trabalho infantil e escola é importante considerar outros aspectos da escolaridade, além das matrículas. Por exemplo, crianças que trabalham podem apresentar relação negativa em relação à frequência escolar e aprendizagem; ter menor probabilidade de frequentar a escola regularmente mesmo que estejam regularmente matriculados.

Salvador (2016) também evidenciou que a criança que trabalha pode relacionar-se negativamente com o desempenho escolar, abandono e reprovação, bem como acesso ao segundo grau e ao ensino superior. Bezerra (2006) avaliou o impacto do trabalho infantil sobre o desempenho escolar e o fez comparando as crianças que realizavam trabalho fora de casa com aquelas que só se dedicavam aos estudos. Constatou que o rendimento das crianças que tinham alguma ocupação laboral foi menor do que aqueles que eram apenas estudantes. Ademais, Huajing-He (2016) concluiu que mais de uma hora de trabalho infantil por dia, antes de ir para a escola, tem um efeito negativo no desempenho acadêmico do indivíduo, repercutindo em até quatro anos mais tarde. Os apontamentos desse autor corrobora os efeitos latentes do trabalho infantil na vida escolar da criança.

O que ocorre é que os efeitos do trabalho infantil não se manifestam todos de uma só vez, mas se estendem ao longo da vida do indivíduo. Para Kassouf (2000, 2002) um dos efeitos do baixo nível educacional, decorrente do trabalho infantil, é a inserção de trabalhadores no mercado informal de trabalho, sem carteira assinada, recebendo salários menores ao do mercado formal e com condições de trabalho inadequadas. Souza (2011) complementa que quanto mais cedo o indivíduo começou a trabalhar, maior a probabilidade de se engajar em atividades informais ao atingir a fase adulta.

Na perspectiva dos adultos que foram trabalhadores infantis, Souza e Pontili (2008) mostraram que quanto mais cedo se ingressou no mercado de trabalho, menor a renda recebida pelo indivíduo. Tal fato foi constatado em diferentes intervalos de idades, tanto na área rural quanto para área urbana. O estudo de Kassouf (2002) apontou substancial diferença na escolaridade entre os indivíduos que começaram a trabalhar antes e depois dos 18 anos de idade. Isto foi notável tanto para os trabalhadores da área rural quanto da área urbana.

Existe um outro círculo vicioso envolvendo trabalho infantil, escolaridade e ocupação do indivíduo adulto no mercado de trabalho. Esse movimento geralmente se inicia com a pobreza familiar, que leva ao trabalho informal, que gera baixa renda familiar, que tende a promover o trabalho infantil, que dificulta a escolarização, impedindo a qualificação do indivíduo. Quando adulto, o indivíduo estará mais propenso ao trabalho informal, tendendo ao recebimento de rendimentos inferiores. Tendo família, a renda familiar permanece baixa, muito provável é que irá inserir os filhos no trabalho, tornando o círculo de causa-efeito ininterrupto. A transmissão intergeracional do trabalho infantil e o desdobramento desse trabalho para a vida adulta do indivíduo, no que se refere à sua condição na ocupação, estão mais detalhadas em Aquino et al. (2010) e Souza (2011), respectivamente.

Mantovani (2014) analisou como uma infância trabalhadora incidiu sobre a vida de indivíduos que se encontravam na fase adulta. A partir de sua própria concepção de trabalho, as pessoas pesquisadas revelaram que o trabalho na infância deixou implicações sobre a sua saúde e escolaridade. Reportaram que a escolarização foi interrompida ainda em sua fase inicial. Resultados semelhantes foram encontrados por Santos et al. (2013) que ainda acrescenta o relato da perda da infância e dificuldades para a obtenção de emprego na vida adulta.

A diversidade de significados que são atribuídos ao trabalho infantil, como identificado nas pesquisas de Mantovani (2014) e Santos et al. (2013), constitui-se um dos obstáculos à sua erradicação, ao mesmo tempo em que ajuda a compreender as diferentes maneiras pelas quais os adultos lidam com as crianças que hoje trabalham. Muitos são os significados dados ao trabalho, abarcando o ambiente social dos participantes, às condições de vida em que foram mantidos e as experiências que tiveram por meio do trabalho. Algumas vezes até atribuem ao trabalho infantil um significado positivo pessoal, noutras negativo e, por vezes, contraditório. Contudo, observaram que trabalhar desde criança trouxe-lhes implicações particularmente em relação à escolaridade e na ocupação, o que contribuiu para a configuração de suas condições de vida.

Tendo em vista o exposto e considerando que toda criança será um adulto no futuro, as perdas decorrentes do trabalho precoce podem afetar o indivíduo tanto na sua fase criança ou de adolescente e se estender para a fase adulta. Na medida em que o trabalho infantil afeta, entre outros aspectos, a escolarização, pode também comprometer a formação ou ampliação do capital humano. Este é um dos fatores de produção mais importantes para o desenvolvimento de qualquer região. Daí a necessidade de pessoas qualificadas e saudáveis, capazes de garantir maior produtividade da mão de obra, melhor aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis, contribuindo para a geração de crescimento econômico. Esse crescimento se bem distribuído, retorna à sociedade como melhoria das condições de vida da população, inclusive impactando na redução do trabalho infantil.

Metodologia

Frente ao objetivo proposto, verificar se o trabalho precoce teve influência sobre a renda, escolaridade e a condição na ocupação do trabalhador sulista adulto, realizaram-se estimações de modelos de regressão múltipla e probit. Os dados foram obtidos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE em 2015. Esta é a última PNAD que contempla a variável de interesse deste estudo, qual seja, a idade em que o indivíduo começou a trabalhar. Os microdados foram extraídos, tratados e analisados via software Stata 12.

A amostra selecionada contemplou as pessoas com idades entre 18 e 70 anos, dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, pertencentes à região Sul do Brasil, que se declararam ocupados na semana de referência da PNAD. A seleção deste intervalo deu-se em função da permissão pela legislação brasileira irrestrita ao trabalho e aposentadoria, respectivamente.

Importante ressaltar que, para fins desta discussão, considerou-se como ter sido um trabalhador infantil todos os indivíduos que começaram a trabalhar antes dos 18 anos de idade. Destas pessoas, identificou-se o sexo, a idade, o número de anos de escolaridade, a cor ou raça, o setor de atividade de ocupação, a condição na ocupação, a área de domicílio, a renda, a idade em que se inseriram no mercado de trabalho e se eram migrantes. Os resultados foram calculados expandindo-se a amostra para o total da população de cada unidade federativa através do peso amostral. Os códigos, descrição e sinais esperados das variáveis estão apresentados no próximo tópico.

Estratégia empírica

Com o intuito de verificar a relação entre o trabalho infantil e a renda mensal estimaram-se, por Mínimos Quadrados Ordinários, quatro modelos de regressão múltipla. O primeiro modelo considerou somente os trabalhadores do estado do Paraná, um segundo para o estado de Santa Catarina, o terceiro modelo para o Rio Grande do Sul e, por último, para todos os indivíduos da região Sul. A equação econométrica utilizada para estimar os três primeiros modelos está descrita na Equação 1. Tem-se que a variável dependente é o log da renda mensal do trabalho principal para pessoas com 10 anos ou mais de idade; β0 é a constante; β1 a β16 são os parâmetros das variáveis de controle para cada indivíduo i; εi é o termo de erro aleatório.

Log_rendai = β0 + β1Sexoi + β2Idadei + β3Escolaridadei + β4 Pretai + β5Amarelai + β6Pardai + β7Indígenai + β8Ocupadoi + β9Trab_10_14i + β10Trab_15_17i + β11Trab_18i + β12Formali + β13Urbanoi + β14Indústriai + β15Serviçosi + β16Outrosi + εi (1)

A Equação 2 descreve o modelo estimado ao considerar todos os estados da região Sul. Neste modelo, além de incluir todos os indivíduos da região Sul, inseriram-se variáveis binárias para os estados (SC e RS) e variáveis de interação entre o trabalho infantil e os estados (Inf_SC e Inf_RS), β17 a β20 são os respectivos parâmetros.

Log_rendai = β0 + β1Sexoi + β2Idadei + β3Escolaridadei + β4 Pretai + β5Amarelai + β6Pardai + β7Indígenai + β8Ocupadoi + β9Trab_10_14i + β10Trab_15_17i + β11Trab_18i + β12Formali + β13Urbanoi + β14Indústriai + β15Serviçosi + β16Outrosi + β17SCi + β18RSi + β19Inf_SCi + β20Inf_RSi + εi (2)

Os parâmetros de tais modelos permitiram verificar o incremento percentual na variável renda para cada variação absoluta nas variáveis independentes: sexo, idade, escolaridade, cor ou raça, idade que começou a trabalhar, área de domicílio, condição e setor de ocupação. Do mesmo modo, para verificar a relação entre o trabalho infantil e os anos de escolaridade foram estimados quatro modelos: os três primeiros para cada estado (PR, SC e RS) e um outro para a região Sul, especificados nas Equações 3 e 4, respectivamente. Nestas Equações a variável dependente foi a variável anos de escolaridade. Os parâmetros de tais modelos forneceram a magnitude da alteração nos anos de escolaridade para cada variação absoluta nas variáveis independentes.

Escolaridadei = β0 + β1Sexoi + β2Idadei + β3Pretai + β4Amarelai + β5Pardai + β6Indígenai + β7Ocupadoi + β8Trab_10_14i + β9Trab_15_17i + β10Trab_18i + β11Formali + β12Urbanoi + β13Indústriai + β14Serviçosi + β15Outrosi + εi (3)

Escolaridadei = β0 + β1Sexoi + β2Idadei + β3Pretai + β4Amarelai + β5Pardai + β6Indígenai+ β7Ocupadoi + β8Trab_10_14i + β9Trab_15_17i + β10Trab_18i + β11Formali + β12Urbanoi+ β13Indústriai+β14Serviçosi +β15Outrosi + β16SCi +β17RSi +β18Inf_SCi +β19Inf_RSi +εi (4)

Para identificar se o trabalho infantil teve influência sobre a probabilidade de o trabalhador adulto pertencer ao setor formal da economia, foram estimados, via Máxima Verossimilhança, quatro modelos probit: um para cada estado e outro para a região Sul. Nos modelos probit, a variável dependente é binária, assumindo valor igual a 1 se o indivíduo estava no setor formal e valor igual a zero, em caso contrário. Tais modelos estão representados nas Equações 5 e 6.

Formali = β0 + β1Sexoi + β2Idadei + β3Escolaridadei + β4Pretai + β5Amarelai + β6Pardai + β7Indígenai + β8Trab_10_14i + β9Trab_15_17i + β10Trab_18i + β11Urbanoi + β12Indústriai + β13Serviçosi + β14Outrosi + β15Idade2i + β16Migrantei + εi (5)

Formali = β0 + β1Sexoi + β2Idadei + β3Escolaridadei + β4Pretai + β5Amarelai + β6Pardai + β7Indígenai + β8Trab_10_14i + β9Trab_15_17i + β10Trab_18i + β11Urbanoi + β12Indústriai + β13Serviçosi + β14Outrosi + β15SCi + β16RSi + β17Inf_SCi + β18Inf_RSi + β19Idade2i + β20Migrantei + εi (6)

Ao contrário dos modelos de regressão múltipla, nos modelos probit os parâmetros forneceram o efeito marginal de uma variação unitária na variável de controle, isto é, a taxa de variação da probabilidade (GUJARATI, PORTER, 2011). Nos modelos (5) e (6) tem-se a variação na probabilidade de a condição do trabalhador na ocupação ser formal em resposta às mudanças nas variáveis independentes. Nessas estimativas, incluíram-se as variáveis Idade2 e Migrante para captar se conforme o trabalhador fica mais velho ou o fato de ser migrante nestes estados afeta a sua probabilidade de ser um trabalhador formal.

Os pressupostos do Modelo Clássico de Regressão Linear foram testados e os modelos estimados com o estimador robusto de White. Um resumo dos modelos estimados, a descrição das variáveis e os sinais esperados, positivo (+) ou negativo (-), das mudanças nas variáveis dependentes sobre as variáveis independentes, está apresentado no Quadro 1.

Quadro 1 – Modelos estimados, descrição das variáveis e sinais esperados

Código

Descrição

Modelos

Renda Mensal

Anos de escolaridade

Condição na ocupação

Trab_10_14

Binária: = 1 (Começou a trabalhar entre 10 e 14); = 0 (caso contrário)

+

+

+

Trab_15_17

Binária: = 1 (Começou a trabalhar entre 15 e 17); = 0 (caso contrário)

+

+

+

Trab_18

Binária: = 1 (Começou a trabalhar entre 18 anos ou mais); = 0 (caso contrário)

+

+

+

Log_renda

Log do rendimento mensal do trabalho principal

DP

NI

NI

Escolaridade

Anos de escolaridade

+

DP

+

Formal

Binária: = 1 (Empregado com carteira assinada, militar, funcionário público estatutário, trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada, empregador); = 0 (caso contrário)

+

+

DP

Sexo

Binária: = 1 (Homem); = 0 (Mulher)

+

+

+

Idade

Anos completos

+

+

+

Idade2

Anos completos elevados ao quadrado

Preta

Binária: = 1 (Cor preta); = 0 (caso contrário)

Amarela

Binária: = 1 (Cor amarela); = 0 (caso contrário)

+

+

+

Parda

Binária: = 1 (Cor parda); = 0 (caso contrário)

Indígena

Binária: = 1 (Indígena); = 0 (caso contrário)

Urbano

Binária: = 1 (Domicílio urbano); = 0 (caso contrário)

+

+

+

Indústria

Binária: = 1 (Setor de atividade industrial); = 0 (caso contrário)

+

+

+

Serviços

Binária: = 1 (Setor de atividade de comércio e serviços); = 0 (caso contrário)

+

+

+

Outros

Binária: = 1 (Outros setores de atividade); = 0 (caso contrário)

+

+

+

SC

Binária: = 1 (SC); = 0 (caso contrário)

+

+

+

RS

Binária: = 1 (RS); = 0 (caso contrário)

+

+

+

Inf_SC

Binária: = 1 (Começou a trabalhar com menos de 18 anos e reside em SC); = 0 (caso contrário)

Inf_RS

Binária: = 1 (Começou a trabalhar com menos de 18 anos e reside no RS); = 0 (caso contrário)

Migrante

Binária: = 1 (Pessoa vinda de outra UF ou município e residente há até 9 anos); = 0 (caso contrário)

NI

NI

Fonte: Elaboração própria. Nota: sinal + significa que há uma relação positiva entre a variável independente e a variável dependente. sinal – significa que há uma relação negativa entre a variável independente e a variável dependente. DP significa variável dependente do modelo. NI significa variável não incluída no modelo.

Destaca-se que, em todos os modelos, as variáveis de interesse são Trab_10_14, Trab_15_17 e Trab_18, pois são elas que representam a condição de ter sido um trabalhador infantil e captam a influência da idade de ingresso no mercado de trabalho sobre o log da renda, a escolaridade e a probabilidade de o indivíduo estar na formalidade. Para evitar a armadilha das variáveis binárias, omitiu-se nas estimações a categoria dos indivíduos que ingressaram no mercado de trabalho com menos de 10 anos de idade. Analogamente, omitiram-se as categorias branca, desocupado, informal, rural, agropecuária, PR e Inf_PR.

Os coeficientes das variáveis supracitadas fornecem a diferença em relação à categoria omitida. Esperava-se que, quanto maior a idade de inserção no mercado de trabalho, maior a variação, no sentido de aumento, da renda, dos anos de escolaridade e da probabilidade de a pessoa estar na formalidade. Ainda, esperava-se haver uma maior diferença nessas variáveis, em favor dos ingressantes com idades acima dos 10 anos, quando comparados com os trabalhadores que começaram a trabalhar com menos de 10 anos de idade.

Efeitos do trabalho infantil na fase adulta: analisando os estados da região sul do Brasil

De acordo com as informações da PNAD (2015) apresentadas na Tabela 1, de toda a população dos estados da região Sul, com idade de 10 anos ou mais, mais da metade era de trabalhadores. E, ao verificar a composição etária desses trabalhadores, pode-se constatar que: no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul cerca de 2,8% deles eram crianças e adolescentes com idade entre 10 e 17 anos. Destaque também para a participação dos idosos trabalhadores com idade acima de 70 anos: nos três estados, um de cada cem trabalhadores estava nesta faixa etária.

Esses números merecem destaque por se tratarem de pessoas que têm restrições ao mercado de trabalho, caso do primeiro grupo, e pessoas que deveriam estar fora da força de trabalho, desfrutando de aposentadorias ou benefícios sociais. Ademais, esses dois grupos de trabalhadores, dadas as suas particularidades especialmente em relação à idade, são mais propensos à informalidade. A população foco dessa discussão (de 18 a 70 anos) correspondia, em 2015, a 96% das pessoas ocupadas nos estados sulinos.

Tabela 1 – Número e percentual de pessoas ocupadas* na região Sul do Brasil segundo o estado e a faixa etária – 2015

Faixas etárias

Paraná

Santa Catarina

Rio Grande do Sul

Número

%

Número

%

Número

%

10 a 14

20.922

0,40

5.732

0,17

24.436

0,45

15 a 17

124.390

2,35

88.141

2,65

128.814

2,36

18 a 70

5.099.689

96,32

3.211.636

96,47

5.214.796

95,74

= ou maior 71

49.520

0,94

23.641

0,71

78.743

1,45

Total

5.294.521

100

3.329.150

100

5.446.789

100

% ocupados em relação a população total

54,67

55,57

54,97

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da PNAD (2015). * Apenas pessoas de 10 anos ou mais.

Na sequência, a Tabela 2 estratifica apenas a população trabalhadora com idade entre 18 e 70 anos conforme a idade de ingresso no mercado de trabalho. O intuito foi identificar aqueles que foram trabalhadores infantis. Os dados revelam que grande parte da população trabalhadora, nos três estados sulinos, começou a trabalhar ainda criança ou adolescente. Constatou-se que cerca de 47% dos trabalhadores no Paraná, 48% em Santa Catarina e 46% no Rio Grande do Sul tinha idade de 14 anos ou menos quando foram admitidos em atividades laborais. O estado paranaense se destacou com a maior proporção de indivíduos que começou a trabalhar com menos de 10 anos de idade. Isto equivale a dizer que mais de meio milhão de trabalhadores paranaenses tinham esta característica.

Tabela 2 – Número e percentual da população ocupada, com idade de 18 a 70 anos, segundo o estado da região Sul e a idade que começou a trabalhar

Idade começou a trabalhar

Paraná

Santa Catarina

Rio Grande do Sul

Número

%

Número

%

Número

%

Menos 10 anos

577.403

11,32

286.622

8,92

440.578

8,45

10 a 14

1.799.738

35,29

1.242.536

38,69

1.951.913

37,43

15 a 17

1.623.231

31,83

1.066.220

33,20

1.582.317

30,34

= ou maior 18

1.099.317

21,56

616.258

19,19

1.239.988

23,78

Total

5.099.689

100

3.211.636

100

5.214.796

100

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da PNAD (2015).

A Tabela 3 identifica a escolaridade média registrada entre os trabalhadores nos estados da região Sul que foram trabalhadores infantis. Ao cruzar as informações de escolaridade com a idade em que começou a trabalhar ficou evidente a associação negativa entre essas variáveis. Nos três estados, os indivíduos que começaram a trabalhar mais velhos acumularam mais anos de estudo e isso ocorreu tanto na área urbana quanto na área rural. As piores médias de escolaridade foram registradas justamente pelos trabalhadores que começaram a trabalhar com menos de 10 anos de idade. No estado do Paraná, a diferença entre a média de escolaridade apresentada por um trabalhador urbano que começou a trabalhar antes dos 10 anos e outro que começou com 18 anos ou mais chegou a 4,5 anos. Essa diferença foi de 3,8 anos em Santa Catarina e de 4,1 anos no Rio Grande do Sul. Os trabalhadores da área rural, dos três estados, eram menos escolarizados em comparação aos da área urbana.

Tabela 3 – Número médio de anos de estudo da população ocupada de 18 a 70 anos, segundo o estado, a área de domicílio e a idade que começou a trabalhar – 2015

Idade começou a trabalhar

Paraná

Santa Catarina

Rio Grande do Sul

Urbano

Rural

Urbano

Rural

Urbano

Rural

Menos 10 anos

8,05

6,83

8,68

7,14

8,15

6,65

10 a 14

9,96

7,68

9,99

8,73

9,61

7,76

15 a 17

11,56

9,80

11,66

9,51

11,18

8,75

= ou maior 18

12,62

11,51

12,70

11,41

12,32

10,36

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da PNAD (2015).

Os resultados obtidos para a escolaridade versus a idade que começou a trabalhar corroboram nos estados da região Sul, o que a literatura, como Kassouf (2000, 2002); Mantovani (2014); Santos et al. (2013); Souza e Pontili (2008) e tantos outros, expõe sobre as implicações do trabalho precoce na escolaridade. Observou-se que, quanto menor a idade de ingresso no trabalho, menor grau de instrução tinha os indivíduos. Mesquita (2011) constatou que quanto maior a escolaridade dos pais, menor a probabilidade de a criança trabalhar e maior a de frequentar a escola. O que fortalece a necessidade de erradicar o trabalho infantil para romper com a transmissão intergeracional do trabalho infantil.

A Tabela 4, por sua vez, reforça os pressupostos sobre os efeitos do trabalho infantil nos rendimentos do trabalhador na fase adulta, evidenciando a relação negativa entre idade de entrada no mercado de trabalho e renda recebida. Em todos os estados da região Sul, o rendimento médio mensal recebido pelos trabalhadores residentes na área urbana era maior quanto mais tarde o indivíduo começou a trabalhar. A mesma tendência foi observada entre os trabalhadores rurais de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No geral, os trabalhadores sulistas que começaram a trabalhar com menos de 10 anos de idade recebiam rendimentos menores em comparação com os trabalhadores que, ao entrar para o mercado de trabalho, tinham mais de 18 anos.

Tabela 4 – Média de rendimento mensal em R$ da população ocupada de 18 a 70 anos, segundo o estado, a área de domicílio e a idade que começou a trabalhar – 2015

Idade começou a trabalhar

Paraná

Santa Catarina

Rio Grande do Sul

Urbano

Rural

Urbano

Rural

Urbano

Rural

Menos 10 anos

1.806,75

1.430,02

1.785,00

1.375,54

1.747.18

1.062,90

10 a 14

2.055,43

1.404,60

2.237,53

1.503,42

1.867,94

1.172,65

15 a 17

2.101,68

1.372,70

2.109,33

1.500,16

1.883,94

1.108,00

= ou maior 18

2.664,39

1.308,73

2.656,57

1.623,95

2.315,18

1.123,63

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da PNAD (2015).

Importante, ainda, ressaltar a diferença significativa entre os rendimentos dos trabalhadores de domicílio urbanos e rurais. Em todos os estados sulinos os trabalhadores residentes em domicílio urbano eram mais bem remunerados, especialmente os que começaram a trabalhar com 18 anos ou mais. Isso implica em duas problemáticas socioeconômicas: os efeitos do trabalho infantil sobre os rendimentos e os efeitos da área de domicílio sobre os rendimentos. Ambas sugerem que na área rural os indivíduos estão em tripla desvantagem pois: começam a trabalhar mais cedo, apresentam menor escolaridade e ainda recebem rendimentos menores.

A relação negativa entre inserção precoce no mercado de trabalho e renda foi encontrada por Mesquita (2011); Souza (2011) e Souza e Pontili (2008). Trabalho infantil, escolaridade e renda estão, segundo constatado por estes pesquisadores, inter-relacionados conformando um círculo vicioso que contribui para perpetuar a condição socioeconômica familiar e da criança trabalhadora, alimentando a transmissão de trabalho infantil entre as gerações.

O estudo de Kassouf (2002) oferece uma explicação para tal situação. Para a autora, aqueles que começaram a trabalhar muito cedo são de origem pobre e não aptos a trabalhos especializados por falta de escolaridade. Consequentemente, se engajam em trabalhos ruins sem perspectiva de crescimento e de melhora na fase adulta. Desse modo, o próprio trabalho se torna uma barreira para deixar a condição de trabalho infantil, na medida em que dificulta a escolarização, atributo essencial para perspectivas de um futuro promissor.

Para Mesquita (2011) quanto mais escolarizada uma geração, maior o nível de educação da geração seguinte. Logo, quanto mais escolarizados são os pais, maiores as chances de os filhos estudarem mais e trabalharem menos. A pesquisadora evidenciou que em estados cujo ingresso ao trabalho se dá em idade média mais alta, a taxa de trabalho infantil é menor.

O engajamento dos indivíduos no mercado de trabalho pode ser em atividades legalmente regulamentadas ou em ocupações que não lhes dão segurança ou proteção legal. No Brasil, a questão da informalidade está associada ao não registro em carteira de trabalho ou contratos específicos. E são em ocupações informais que mais se empregam as pessoas menos instruídas e qualificadas e, consequentemente, com rendimentos menores (SOUZA, 2011). Nesse sentido, os trabalhadores dos estados da região Sul foram estratificados de acordo com a sua condição na ocupação e a idade que declararam ter começado a trabalhar. O propósito era verificar se o trabalho infantil também refletiu negativamente nesta condição.

Conforme a Tabela 5, do total de trabalhadores da região Sul, mais de um terço (cerca de 38%) eram informais, destacando o Rio Grande do Sul com 41% de seus trabalhadores nesta condição. Nos três estados, mais da metade dos trabalhadores informais ingressaram na atividade laboral com idade de até 14 anos, destacando o estado de Santa Catarina onde esse percentual foi de 60% contra 57% no Paraná e Rio Grande do Sul. Ainda, dos trabalhadores informais, 14% em Santa Catarina e Rio Grande do Sul e 16% no Paraná eram apenas crianças, com idade inferior a 10 anos, quando começaram a trabalhar. Quanto aos trabalhadores formais, é justamente na categoria de ingressantes com menos de 10 anos que se registrou o menor número de pessoas: apenas 6% dos trabalhadores formais da região Sul tinham tal característica.

Tabela 5 – Número de pessoas ocupadas na região Sul do Brasil com 18 a 70 anos, segundo o estado, a idade que começou a trabalhar e a condição na ocupação – 2015

Idade começou a trabalhar

Paraná

Santa Catarina

Rio Grande do Sul

Formal

Informal

Formal

Informal

Formal

Informal

Menos 10 anos

264.123

313.280

129.694

156.928

142.158

298.420

10 a 14

1.011.718

788.020

735.212

507.324

1.034.535

917.378

15 a 17

1.129.934

493.297

776.730

289.490

1.040.552

541.765

= ou maior 18

778.612

320.705

465.067

151.191

856.048

383.940

Total

3.184.387

1.915.302

2.106.703

1.104.933

3.073.293

2.141.503

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da PNAD (2015).

Ao verificar as faixas etárias de inserção no trabalho, a condição na ocupação e o número de trabalhadores, constatou-se que, nos três estados, os trabalhadores formais e que começaram a laborar após os 18 anos de idade eram mais que o dobro dos trabalhadores informais. Inversamente, quando observado a menor faixa etária, os trabalhadores do setor informal ingressantes no trabalho com menos de 10 anos de idade eram em maior número do que os com a mesma característica do setor formal. Esses dados evidenciam a provável existência, nesses estados, de uma relação inversa entre a idade de admissão no trabalho e a probabilidade de ser um trabalhador informal.

Resultados semelhantes foram encontrados por Souza (2011) que concluiu que o trabalho infantil e o trabalho informal são problemas sociais associados à renda familiar. A baixa renda familiar faz com que seja necessário que todos os membros da família, inclusive as crianças, trabalhem para complementar e garantir a subsistência familiar. Considerando as implicações do trabalho de crianças e adolescentes aqui mencionadas, como resultado dessa situação o círculo vicioso de pobreza marcado por trabalho infantil e trabalho informal se repete ao longo das gerações.

Por fim, em complemento à essas informações estatísticas, a Tabela 6 apresenta os resultados das estimativas dos modelos econométricos. Salienta-se que a finalidade desses modelos era a de captar e mensurar a influência do trabalho infantil sobre o nível de renda, a escolaridade e a condição na ocupação dos trabalhadores dos estados da região Sul brasileira. Para isso, as colunas segunda, terceira, quarta e quinta da Tabela apresentam os resultados do modelo de regressão múltipla que verifica a relação entre o nível de renda e o trabalho infantil.

Os resultados econométricos ratificaram que os trabalhadores que começaram a trabalhar com 18 anos ou mais, em todos os estados da região Sul, os seus rendimentos foram maiores do que o rendimento dos trabalhadores que foram admitidos em trabalhos com menos de 10 anos de idade. A diferença no salário mensal entre esses dois grupos de trabalhadores foi de: 14,51% em Santa Catarina, de 11,64% no Paraná e de 6,94% no Rio Grande do Sul. Ademais, comparando os rendimentos entre os outros grupos etários – começou a trabalhar com idade entre 10 e 14 anos ou 15 e 17 anos – o salário mensal recebido pelos trabalhadores também foi maior do que o recebido por aqueles que começaram a trabalhar com menos de 10 anos de idade. Isso reforça a tese de que um dos efeitos do trabalho infantil é que quanto mais cedo se entra para o mercado de trabalho menor os rendimentos na fase adulta.

Tabela 6 – Resultados dos modelos estimados por Mínimos Quadrados Ordinários e Máxima Verossimilhança – 2015

Log da renda mensal

Anos de escolaridade

Condição na ocupação

PR

SC

RS

Sul

PR

SC

RS

Sul

PR

SC

RS

Sul

Constante

1,4369*

2,0519*

0,3083*

1,0781*

4,9314*

5,3559*

5,3283*

5,3565*

Sexo

0.7569*

0.7215*

0.8522*

0.7844*

0.3359*

0.1219*

0.1904*

0.2273*

0.0483*

0.0229*

0.0487*

0.0424*

Idade

0.0130*

0.0111*

0.0127*

0.0121*

0.0168*

0.0053*

0.0178*

0.0147*

Escolaridade

0.0696*

0.0587*

0.0674*

0.0658*

0.0159*

0.0140*

0.0148*

0.0151*

Preta

-0.0428*

-0.0907*

-0.1101*

-0.0717*

-1.2478*

-1.3683*

-1.1404*

-1.1996*

0.0628*

0.0881*

0.0449*

0.0598*

Amarela

0.0209*

0.8827*

0.2354*

0.1172*

1.9496*

1.0362*

1.4066*

1.8252*

0.0551*

-0.0703*

0.0675*

Parda

-0.0951*

0.0217*

-0.0902*

-0.0699*

-1.3139*

-1.2348*

-1.6104*

-1.4010*

0.0109*

0.0799*

-0.0051*

0.0179*

Índigena

0.5408*

0.1670*

-0.2519*

-0.1060*

-2.0764*

-2.7828*

-2.6121*

-2.5672*

0.3088*

0.0470*

-0.0844*

0.0072*

Ocupado

2.2239*

1.6425*

2.5416*

2.2927*

0.9097*

1.1203*

0.5897*

0.8067*

Trab_10_14

0.0142*

0.0775*

0.0642*

0.0453*

1.3751*

1.0468*

1.0031*

1.1740*

0.0217*

0.0385*

0.0726*

0.0442*

Trab_15_17

0.0427*

0.0660*

0.0588*

0.0496*

2.6470*

2.1910*

2.1971*

2.3855*

0.0853*

0.0870*

0.1015*

0.0910*

Trab_18

0.1164*

0.1451*

0.0694*

0.1008*

3.4476*

3.0769*

2.9888*

3.2310*

0.0645*

0.0886*

0.1135*

0.0733*

Formal

0.6243*

0.4551*

0.7350*

0.6378*

1.0723*

1.0248*

0.9664*

1.0200*

Urbano

0.2890*

0.2928*

0.3636*

0.3386*

0.6024*

0.4928*

0.5328*

0.5461*

0.0565*

0.0193*

0.0809*

0.0576*

Indústria

1.2087*

1.5034*

1.7359*

1.5082*

0.3933*

0.3248*

0.5329*

0.4191*

0.2762*

0.4132*

0.3933*

0.3563*

Serviços

1.3187*

1.6344*

1.9071*

1.6449*

2.4786*

2.3833*

2.7188*

2.5328*

0.3721*

0.5136*

0.4735*

0.4460*

Outros

1.3405*

1.7900*

1.7755*

1.6370*

3.0577*

3.3709*

2.6282*

2.8211*

0.3462*

0.3242*

0.4240*

0.3707*

SC

0.0495*

-0.0596*

0.0596*

RS

-0.1614*

-0.4013*

-0.0052*

Inf_SC

0.0267*

0.0251*

-0.0240*

Inf_RS

-0.0139*

0.0526*

-0.0243*

Idade2

-0.0002*

-0.0001*

-0.0003*

-0.0002*

Migrante

-0.0355*

0.0001

-0.0049*

-0.0141*

R2 Ajustado

0.4024

0.3590

0.4855

0.4359

0.2801

0.2458

0.2933

0.2779

N

5255375

3311956

5515793

14083124

5255375

3311956

5515793

14083124

5255375

3307656

5515793

14083124

F

94097.82

42952.82

164355.26

232719.82

151402.07

80876.90

182823.31

324393.51

Prob F

0.00

0.00

0.00

0.00

0.00

0.00

0.00

0.00

0.00

0.00

0.00

0.00

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da PNAD (2015). Os modelos atendem aos pressupostos dos Modelo Clássico de Regressão Linear. Os erros padrão robustos foram omitidos devido à indisponibilidade de espaço. Efeitos marginais para os modelos Probit. Nota: *** p<0.10, ** p<0.05, * p<0.01.

Em relação às demais variáveis de controle, representativas das características dos indivíduos, os seus respectivos coeficientes angulares apresentaram significância estatística. A maioria também apresentou os sinais esperados para a relação, positiva ou negativa, direta ou indireta, com as variáveis independentes. Constatou-se que o salário mensal dos homens foi superior ao salário das mulheres em todos os estados. O aumento na idade e escolaridade refletiram positivamente na renda mensal dos trabalhadores. Também se observou o efeito de aumento no salário mensal para os trabalhadores no setor formal.

Verificando o setor de atividade, os trabalhadores da indústria, comércio e serviços e outros setores apresentaram renda mensal superior àqueles do setor agropecuário. Quanto à cor ou raça dos trabalhadores, os indivíduos que se declararam de cor preta ou parda tinham renda mensal menor do que os trabalhadores de cor branca, com exceção dos pardos em Santa Catarina. Aqueles que se declararam de cor amarela ou indígenas apresentaram rendimento maior em relação aos trabalhadores de cor branca, exceto os indígenas no Rio Grande do Sul.

O trabalho infantil também mostrou ter influência na escolaridade dos trabalhadores. Os resultados estão apresentados nas colunas sexta à nona da Tabela 6. Observou-se que, na medida em que a entrada no mercado de trabalho ocorreu com mais idade, o nível de escolaridade aumentou em comparação com aqueles que ingressaram com menos de 10 anos de idade. Para os trabalhadores que iniciaram com 18 anos ou mais esta diferença foi de 3,4476 no Paraná, 3,0769 em Santa Catarina e de 2,9888 no Rio Grande do Sul. Isto significa que ter começado a trabalhar somente após os 18 anos de idade permitiu aos trabalhadores acumular maior número de anos de estudos do que os indivíduos que foram admitidos no trabalho com menos de 10 anos de idade. Fortifica-se, portanto, a relação negativa entre trabalho infantil e escolarização preconizada na literatura.

Nas últimas quatro colunas da Tabela 6 estão os resultados das estimações do modelo probit para verificar a relação entre o trabalho infantil e a probabilidade de ser um trabalhador formal. Constatou-se que, nos três estados da região Sul, a entrada no mercado de trabalho com idade entre 10 a 14 anos, 15 a 17 anos e 18 anos ou mais, aumentou a probabilidade de ser um trabalhador formal, em comparação com os que começaram a trabalhar com menos de 10 anos. Para os trabalhadores que iniciaram com 18 anos ou mais, a probabilidade de estar em uma ocupação formal foi maior em 6,45% no Paraná, 8,86% em Santa Catarina e de 11,35% no Rio Grande do Sul, em comparação com aqueles cuja entrada ocorreu com menos de 10 anos de idade. Esses resultados corroboraram com a conjectura de que o trabalho infantil pode também influir negativamente na condição do trabalhador no mercado de trabalho, deixando-o mais propenso às ocupações informais.

Nesse contexto, Kassouf (2000, 2002) e Souza (2011) mostraram que a renda recebida pelos trabalhadores que começaram a trabalhar muito cedo, em geral, tanto na área rural quanto na área urbana, é inferior à recebida pelos indivíduos em situação contrária. Essa diferença é atribuída ao fato de que o trabalho infantil repercute negativamente principalmente sobre a escolaridade. Quando chegam à fase adulta, essas pessoas vítimas do trabalho infantil, por possuírem baixo grau de instrução e consequente baixa qualificação, se engajam em atividades que não lhes exigem maiores conhecimentos, não ocupam os melhores empregos, além de, muitas vezes, serem obrigados a se inserirem em atividades informais.

Em complemento, um estudo do Banco Mundial referenciado por OIT (2006) revelou que a entrada precoce no mercado de trabalho reduz os ganhos ao longo da vida em cerca de 13 a 20 por cento, impactando na probabilidade de um indivíduo ser mais pobre no futuro. Nesse sentido, verificando os trabalhadores foco desta pesquisa, percebeu-se que o salário mensal dos trabalhadores que começaram a trabalhar depois dos 18 anos era mais elevado do que o salário mensal recebido pelos trabalhadores que começaram a trabalhar com menos de 10 anos. Isso ocorreu nos três estados sulinos.

Esta pesquisa soma-se aos trabalhos que evidenciam que o trabalho infantil é uma problemática de aspecto humano, social e econômico e que merece toda a atenção da comunidade acadêmica, de esforços de toda a sociedade – governos, instituições, famílias e escolas – para a sua completa erradicação. No Brasil, dentre as iniciativas de combate ao trabalho infantil, destaca-se o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), atuando desde 1996, e o Programa Bolsa Escola, criado em 2001. Desde 28 dezembro de 2005, o PETI e o Bolsa Escola se integraram ao Programa Bolsa Família (PBF) que é um programa de transferência direta de renda para famílias em situação de pobreza (BRASIL, 2005).

Como efeitos de tais medidas em complemento à legislação que regulamenta a entrada de crianças no mercado de trabalho, especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente, o trabalho infantil no Brasil vem caindo desde a última década do século XX. Segundo o UNICEF (2015b, p.22), entre os anos de 1992 e 2013, o número de crianças e adolescentes de 5 a 15 anos trabalhando no país caiu de 5,4 milhões para 1,3 milhão, representando uma queda de 76% na taxa de trabalho infantil nessa faixa etária, caindo de 13,6% para 3,3%.

Na região Sul brasileira, conforme Souza (2018), a proporção de trabalho infantil entre as crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, era de 23% em 1985 caindo para e 10% em 2015. No mesmo período, a proporção de indivíduos nessa faixa etária que estava frequentando a escola se elevou de 64% para 94%. Houve uma significativa queda na taxa de trabalho infantil e aumento da escolarização na região Sul, especialmente a partir de meados da década de 1990, que conforma com a implantação das medidas assistenciais de combate ao trabalho precoce no país.

Em avaliação feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), os benefícios concedidos pelo PBF no biênio 2008-2009 custaram ao Brasil em torno de 0,3 por cento PIB, e teve um peso de 20 a 25 por cento na redução da desigualdade no país (PNUD, 2014). O PBF atua como uma política atenuante da vulnerabilidade de famílias em extrema pobreza. O fato de as transferências de recursos serem condicionadas resulta em incentivos e proteção à educação e à saúde especialmente das crianças e adolescentes. E, por isso, pode ser instrumento de inflexão no círculo vicioso de pobreza, que se reflete no trabalho infantil intergeracional.

Por fim, ressalta a necessidade e importância da ampliação do alcance do PBF no Brasil, especialmente em momentos de crises econômicas em que a vulnerabilidade socioeconômica das famílias pobres é aumentada e a taxa de desemprego entre os adultos é elevada. O aumento do trabalho entre crianças menores de 14 anos mostrado pela PNAD (2016) e a tendência de alta que se segue desde então, robustece a urgência de medidas de proteção e assistência às crianças e adolescentes que se destacam dos demais grupos etários em função da fragilidade ao meio em que vive.

Considerações finais

Este estudo teve como objetivo verificar a influência do trabalho infantil na renda, na escolaridade e na condição de ocupação dos trabalhadores nos estados da região Sul do Brasil. Para tanto, foram utilizados dados da PNAD de 2015 sobre as pessoas ocupadas, os quais foram analisados por meio de modelos econométricos de Regressão Linear Múltipla e Probit.

As estimativas encontradas foram, em sua maioria, estatisticamente significativas e apresentaram os sinais esperados para a relação entre as variáveis independentes e dependentes. Obteve-se, portanto, evidências estatísticas de que há uma íntima relação negativa entre as variáveis investigadas – trabalho infantil, escolaridade, informalidade e renda.

A pesquisa corroborou a repercussão negativa do trabalho na infância sobre a escolaridade, a renda e a condição na ocupação dos trabalhadores adultos. Pois, constatou-se que, na medida em que a entrada no mercado de trabalho ocorreu mais tardiamente, em comparação aos ingressantes com menos de 10 anos de idade, mais escolarizados eram os trabalhadores, mais elevados eram os seus salários mensais e maiores eram as suas chances de serem trabalhadores formais.

É importante destacar que ao abordar o trabalho infantil e a sua relação com a escolarização, está-se também discutindo formação de capital humano, imprescindível para a composição do fator de produção mão de obra, tão essencial à produção e geração de riqueza em um país. Nessa perspectiva, a ocupação e a remuneração que o trabalhador irá receber depende da sua qualificação. Portanto, a escolaridade é um dos principais atributos de recrutamento no mercado de trabalho e que, por sua vez, pode conferir aos indivíduos mais instruídos melhores oportunidades de ocupação.

Já os indivíduos de baixa qualificação, a contrapartida se dá em menor oportunidade de escolha em que trabalhar e, consequentemente, em sua renda. Desse modo, é indissociável a importância e o papel da educação – compreendida como oportunidade de um indivíduo estudar e se qualificar formalmente – como instrumento de ascensão social e de ruptura do ciclo de pobreza-trabalho infantil. Além disso, a educação também é um instrumento que pode formar indivíduos mais conscientes quanto aos seus direitos e de sua família.

Assim, cabe ao Estado, com sua função de instituição social e que tem o poder de agente formulador e coordenador de políticas públicas, o papel de propiciar condições para que os indivíduos se qualifiquem, construindo e ampliando as suas capacidades de agente promotor do seu próprio desenvolvimento e de seu entorno. O investimento na educação deve-se iniciar, impreterivelmente, ainda no período de infância, propiciando a oferta e o acesso à uma educação de qualidade, bem como a manutenção na escola de todas as crianças e adolescentes em idade escolar.

Ademais, ao identificar a idade de ingresso no trabalho constatou-se que, do total de trabalhadores informais, mais da metade ingressaram na atividade laboral com idade de até 14 anos. Frisa-se que, as condições inferiores de trabalho oferecidas pela maioria das atividades informais, inclusive no que tange à remuneração, acabam por gerar problemas ainda mais intensos e duradouros como: perpetuação da pobreza, privação de acesso a bens e serviços, dificuldade de escolarização e aumento das chances de todos os membros, inclusive das crianças, terem que trabalhar para complementar a renda familiar.

Ainda, há a falta de contribuição regular para o sistema previdenciário, característica típica das ocupações informais, fato que vai impactar diretamente na fase de velhice dos trabalhadores que terão dificuldades em se beneficiar da aposentadoria. Logo, ao incluir a condição dos trabalhadores na ocupação, destacando a informalidade como um resquício do trabalho na infância, está se chamando a atenção que os efeitos do trabalho precoce podem ser sentidos até na velhice do indivíduo.

Por fim, partindo-se da premissa de que a educação é uma das ferramentas com a qual o indivíduo pode alcançar a ascensão profissional e melhoria na condição de vida, esse círculo que envolve pobreza familiar – trabalho infantil – ausência ou baixa escolarização – trabalho informal – baixa renda familiar – e novamente trabalho infantil, precisa ser continuamente quebrado com a ampliação das políticas de distribuição de renda, de combate ao trabalho infantil e de incentivo à frequência escolar.

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1 As piores formas de trabalho infantil, segundo a Convenção n.182 de 1999, da OIT, compreende todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como a venda e o tráfico de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório e em conflitos armados; a utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas; a utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas como a produção e tráfico de drogas; os trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados podem prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.