Volumen 32 Nº 2 (abril-junio) 2023, pp.97-121
ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44
DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.8075163
“Quem manda no Ceará?”. Sobre o enfrentamento às facções criminosas em um estado do nordeste do Brasil1
*Luiz Fábio S. Paiva y ** Artur de Freitas Pires
Resumo
O artigo analisa como o governo do Estado do Ceará, nordeste do Brasil, enfrentou as ações de facções criminais que, desde 2016, se consolidaram como principal problema da dinâmica delitiva em cidades cearenses. Para fins deste trabalho, é apresentado o contexto de surgimento das facções e uma análise específica de um período, no ano de 2019, quando durante um mês as facções realizaram centenas de ataques ao patrimônio público e privado, sobretudo na capital do Ceará, Fortaleza. A pesquisa que deu origem a esse artigo foi realizada por meio de trabalho de campo e análise do discurso de governantes e outros gestores públicos reproduzidos por jornais locais e nacionais. A informação tratada neste artigo diz respeito a como os agentes estatais falaram sobre o problema das facções e defenderam ideias relacionadas à “solução do problema”. Observa-se então como esse debate permeou o espaço público e foi retratado em diferentes mídias de produção de notícias, alimentando um debate público sobre as ações de governo para o enfrentamento de um fenômeno criminoso que afetou famílias, comunidades e territórios em todo o Ceará.
Palavras-chave: Violência; crime; facções; poder; governo
* Universidade Federal do Ceará- Fortaleza, Brasil. E-mail: luizfabiopaiva@gmail.com / ORCID: 0000-0002-2669-5635
**Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Brasil. E-mail: arturpires@alu.ufc.br / ORCID: 0000-0003-4146-4496
Recibido: 11/01/2023 Aceptado: 21/03/2023
“Who is in charge in Ceará?”. On confronting criminal factions in a state in northeastern Brazil
Abstract
The article analyzes how the government in the State of Ceará, northeast Brazil, faced the actions of organized crime that, since 2016, have been consolidated as the main problem of criminal dynamics in Ceará cities. For the purposes of this work, the context in which these criminal groups emerged is presented, as well as a specific analysis of a period, in 2019, when, during a month, the organized crime carried out hundreds of attacks on public and private property, especially in the capital of Ceará, Fortaleza. The research that gave rise to this article was carried out through field work and analysis of the discourse of government officials and other public managers reproduced by local and national mass media. The information dealt in this article concerns how state agents spoke about the problem of factions and defended ideas related to the “solution of the problem”. It is then observed how this debate permeated the public space and was portrayed in different news production media, fueling a public debate about government actions to face a criminal phenomenon that affected families, communities and territories throughout Ceará.
Keywords: Violence; crime; organized crime; power; government
Introdução
O artigo analisa em uma perspectiva compreensiva a maneira como o governo do Estado do Ceará, ao considerar seu papel no campo da segurança pública, atuou para o enfrentamento do problema das facções criminosas no Ceará. A intenção deste artigo não é recuperar todos os detalhes de uma luta que se estende no Ceará desde meados da década passada, quando as facções se capilarizaram e tornaram-se um dos principais fenômenos criminais nesse estado brasileiro2. O objetivo é retomar três momentos entre os anos de 2016 a 2019 que envolvem ações que se julgam fundamentais para a compreensão de como um governo estadual brasileiro atuou diante de um problema que, em linhas gerais, percorre todo o país. São eles: a) as primeiras manifestações públicas na imprensa local a respeito da existência de facções no Ceará, no primeiro semestre de 2016, quando gestores estatais ainda negavam a existência desses grupos; b) ações entre os anos de 2017 e 2018 que apontam para um significativo aumento de homicídios e de controle territorial pelas facções que, em seu curso, indicam uma precária atuação das políticas de segurança pública no controle social do crime no Estado; e c) por fim, a reação classificada como “enérgica” entre o final de 2018 e o início de 2019, quando o Estado resolve implementar um novo regime de controle das facções a partir do sistema prisional com a criação da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP).
É importante destacar que o fenômeno das facções criminosas é uma experiência nacional, acontecendo em várias regiões do Brasil, com uma origem que remete às prisões do Rio de Janeiro e de São Paulo (Barbosa, 2020; Misse, 2007; Alvarez, Salla e Dias, 2013; Hirata e Grillo, 2017; Feltran, 2018; Biondi, 2018). Pesquisas, no entanto, demonstraram que as atividades de grupos como o fluminense Comando Vermelho (CV) e o paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) conseguiram expandir suas ações e incrementar novas dinâmicas criminais em outros territórios brasileiros, impactando em diversas maneiras de fazer o crime e formas de conflito social (Manso e Dias, 2018; Duarte, 2021; Dias e Paiva, 2022; Feltran et al., 2022). Como também tem sido observado em outros trabalhos de pesquisa que a transmissão de conhecimentos relacionados à forma de fazer o crime em um grupo estruturado como facção criminosa constituiu um processo contínuo e duradouro que afetou, além do Ceará, diferentes estados do norte e do nordeste brasileiros (Paiva e Siqueira, 2019; Pires, 2018; Siqueira e Nascimento, 2022; Melo e Paiva, 2021; Rodrigues, 2020; Candotti, Melo e Siqueira, 2017, Lourenço e Almeida, 2013; Silva, 2020). Embora não seja possível uma análise apurada do movimento nacional das facções e suas repercussões locais, é possível afirmar que elas são um fenômeno de grande envergadura no Brasil, com consequências na vida das prisões e periferias urbanas de praticamente todos os estados da federação, entre eles o Ceará. Com base nesses estudos, a análise aqui proposta parte da premissa de que uma facção é
um coletivo constituído por associações, relacionamentos, aproximações, conflitos e distâncias necessárias entre pessoas comprometidas em fazer o crime, desenvolvendo relações afetivas profundas, laços sociais elaborados como os de família, e um sentimento de pertença desenvolvido pela crença em determinadas orientações políticas e éticas que a sustentam. São coletivos móveis de pessoas que fazem o crime como um meio de integrar a sociedade, pois não visam à sua destruição, e sim à participação em um sistema de bens materiais e simbólicos agenciados de múltiplas maneiras. Em alguma medida, as facções são coletivos compostos por convergências de intencionalidades de alcances variados, com pessoas ocupando posições privilegiadas nos esquemas do coletivo e outras atuando em suas margens (Paiva, 2019: 170).
Este conceito foi importante na orientação desse trabalho de pesquisa cujo fundamento consiste em compreender a maneira como os governantes enfrentaram esse fenômeno e se pronunciaram sobre ele publicamente, através da imprensa. Entende-se ainda que as facções funcionam como uma espécie de comunidade moral e política que congrega ideologias, valores e maneiras de fazer o crime nas prisões e em territórios periféricos. Pesquisas importantes demonstraram como a prisão ocupou um espaço importante na formação dos grupos compreendidos como facções cujas ações nas ruas envolvem formas de segredo, proteção e “proceder” de acordo com valores que precisam ser preservados para continuação do coletivo e maneiras de controle do outro e de determinados territórios (Dias, 2014; Marques, 2010; Sinhoretto, 2014; Rodrigues, 2020, Paiva, 2022; Briceño-Leon, Barreira e Aquino, 2022).
Antes de avançar nos desdobramentos, é importante destacar que os resultados apresentados neste texto são decorrentes de pesquisas multissituadas, ou seja, ancoradas em investigações que estudaram o fenômeno de diferentes pontos de vista. São resultados decorrentes de pesquisas de campo de cunho qualitativo em projetos distintos e que se realizaram em momentos diversos, mas com o objetivo em comum de acompanhar a dinâmica e a expansão do fenômeno faccional pelas cidades cearenses, em especial, na cidade de Fortaleza e sua região metropolitana3. Neste texto são expostos, sobretudo, discursos públicos de agentes estatais que tentaram em meios de comunicação, escritos e televisivos, explicar, justificar ou oferecer esclarecimentos sobre ações de governo para lidar com o fenômeno das facções4. Em linhas gerais, explora-se aqui a ideia em torno do título do texto, ou seja, como a narrativa da imprensa criou um ambiente de discussão sobre “quem manda no Ceará”, opondo poder público constituído e grupos criminosos que, por meio de suas ações, buscaram confrontar e até influenciar em determinadas decisões sobre a política de segurança pública do então governo de Camilo Santana. Para fins desta análise, são analisados eventos críticos como uma série de ataques protagonizados por facções, suas causalidades e repercussões para o controle social de atividades criminosas no Ceará5, nordeste do Brasil.
A negação do problema
A expansão de atividades criminosas desafia as instituições de controle social, sobretudo quando novas dinâmicas acontecem e desafiam de maneira substantiva o preceito estatal weberiano de monopólio da violência legítima. Assim como aconteceu em outros estados brasileiros, no Ceará também se experimentou, em um primeiro momento, negar a existência de grupos armados estruturados na forma de facções criminosas. As facções são experiências coletivas desenvolvidas por pessoas que praticam crimes e que, primeiramente nas prisões do Rio de Janeiro e de São Paulo, decidiram criar um sistema de proteção fundamentado em laços de confiança que exigem um compromisso político, ético e moral de todos os integrantes do grupo. Esses grupos se constituem como comunidades6 políticas e morais capazes de criar intercâmbios e laços sociais duradouros que dão sentido a práticas de crimes e também a relações sociais de respeito entre elas. As facções não apenas são grupos de pessoas que fazem o crime, mas que integram uma experiência coletiva, protegem umas às outras e, por isso mesmo, cobram fidelidade aos ideais e valores que estruturam estes grupos armados. Ademais, mantêm sua eficaz força de atração grupal por meio de um processo contínuo de rotinização e ritualização da violência7.
Além de conseguir realizar ações criminosas, as facções desenvolveram expertises e métodos que fazem perdurar sua experiência como um fenômeno cultural. Assim, é possível encontrar múltiplas formas de se relacionar com a facção – desde relações artísticas de pessoas que criam versos e cânticos que retratam suas ideias e valores morais (Silva, 2020) até outras que realizam missões ou são responsáveis pelo controle social no interior de prisões e territórios urbanos controlados por esses grupos. Cada estado brasileiro experimentou de diferentes maneiras o surgimento de facções em suas rotinas prisionais e comunitárias, sobretudo nas periferias urbanas. Os nove estados do nordeste brasileiro, entre eles o Ceará, experimentaram a partir dos anos de 2010 uma forte capilarização do crime na forma de facções, com diferenças importantes em relação ao que aconteceu nas décadas anteriores no Rio de Janeiro e em São Paulo, os dois berços das maiores facções brasileiras, respectivamente Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC).
Observou-se, tanto na experiência do CV quanto na do PCC, que existiu um trabalho desde as prisões de convencimento e criação de laços de solidariedade criminal que ganharam lastro e possibilitaram o surgimento de grupos orgânicos e muito ligados aos sistemas penitenciários estaduais. Contudo, rapidamente essas facções se tornaram referência para todos os envolvidos em práticas criminais nesses estados e posteriormente para criminosos de outros estados brasileiros e sul-americanos. Inclusive, no início dos anos de 2010, era possível verificar no mapa do Brasil situações em que as experiências do varejo de drogas e de armas das facções de Rio e São Paulo começavam a ser replicadas em outros estados, como no Ceará, mas que, inicialmente, estes modelos criminais não lograram êxito em capilarizar-se nas periferias, pois existiam grupos armados no formato de gangues e quadrilhas locais, marcadamente de bairros, que caracterizavam o crime nesses espaços como uma experiência notadamente fragmentada por territórios (Pires, 2018; Matos Júnior, Neto e Pires, 2022)8.
Por outro lado, um dado bastante importante corresponde ao fato de que grupos como CV e PCC atuam no Ceará há décadas, mas em esquemas criminais muito específicos, nos quais não havia uma pujante capilarização nas periferias. Portanto, cabe afirmar que não foi apenas em meados da década passada que facções do Rio de Janeiro e de São Paulo chegaram ao Ceará.
Já na metade da década de 1980 duas ações pontuais indicaram a presença do Comando Vermelho na cidade de Fortaleza9: um assalto a uma joalheira, em 1986, e o sequestro e assassinato de um corretor de imóveis por um membro da facção, em 1987. Entre a metade e o final dos anos de 1990, o CV enxergou no nordeste brasileiro um ponto estratégico para o escoamento da cocaína que vinha do Peru, da Bolívia e da Colômbia. O delegado da polícia civil cearense, Francisco Crisóstomo, disse que Fernandinho Beira-Mar, o icônico e midiático líder do CV –que atualmente cumpre pena por tráfico internacional de drogas e homicídio em uma prisão de segurança máxima– esteve no Ceará na década de 1990 para organizar o ponto final de uma rota de cocaína vinda da Colômbia. Em Fortaleza, o traficante “alugou um apartamento e passou uma temporada organizando as rotas. Foi ‘Beira-Mar’ quem conseguiu montar esse esquema que leva droga da Colômbia para o Paraguai, do Paraguai para o sudeste do Brasil e do sudeste para o nordeste. Daqui enviam para a Europa” (Feitosa, 2018)10. É nesse contexto, portanto, entre o final dos anos ١٩٩٠ e o início dos anos ٢٠٠٠, que o Aeroporto Internacional de Fortaleza e, principalmente, o Porto do Pecém, inaugurado em ٢٠٠٢ na região metropolitana da capital cearense, surgem como equipamentos por onde este tráfico internacional vai operar. Importante observar que atualmente há ainda outra rota do comércio de drogas para o nordeste brasileiro: as mercadorias ilícitas são também adquiridas na tríplice fronteira amazônica entre Brasil, Colômbia e Peru, passando por muitas hidrovias nos estados do Amazonas e do Pará, no norte do Brasil, para depois chegarem por rodovias ao nordeste.
O Primeiro Comando da Capital (PCC) chegaria ao Ceará nos anos de 1990. Neste primeiro momento, a facção paulista não estava envolvida com o tráfico de drogas no Estado, ofício que era próprio das quadrilhas locais, mas tendo em vista que é nesta mesma época que o crack se dissemina por Fortaleza, ouvimos de interlocutores que os primeiros fornecedores dessa droga para as “bocadas”11 da capital cearense eram agentes ligados à facção paulista12. Esta é uma hipótese empírica de razoável factualidade, visto que naquela época ainda não havia “laboratórios” clandestinos de crack no Ceará (Pires, 2018). No entanto, naquele momento, a atuação do grupo criminoso de São Paulo no Ceará estava mais atrelada a assaltos a empresas transportadoras de dinheiro. Dois eventos demarcaram, de modo público, a chegada do PCC ao Ceará: os assaltos às transportadoras de valores monetários Corpvs, em 1999, e Nordeste Segurança de Valores (NSV), em 2000. Marcos Willians Herbas Camacho, o “Marcola”, apontado pelos órgãos policiais como líder do PCC, estava entre os participantes de ambos os assaltos. Outro que também participou do primeiro evento foi Antônio Jussivan Alves dos Santos, o “Alemão”, considerado como o mentor, em 2005, do furto ao Banco Central de Fortaleza, o maior roubo a banco na história brasileira, onde foram surrupiados 164 milhões de reais (cerca de 33 milhões de dólares). No assalto à NSV, parte do bando foi capturado. Maurício Alves Ribeiro, o “China”, foi o principal integrante do PCC preso. Foi ele quem, no início dos anos 2000, no Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), presídio da região metropolitana de Fortaleza, iniciou os “batismos” de presidiários cearenses à facção paulista, que depois foram ainda mais intensificados após muitos criminosos paulistas terem sido encarcerados em penitenciárias locais após o furto ao Banco Central de Fortaleza (Feitosa, 2018).
Então, resta evidente que o processo de imersão das facções CV e PCC no Ceará não se iniciou apenas na década passada, mas vem se desenvolvendo progressivamente nas últimas três décadas e meia. O que se percebeu no último decênio foi uma capilarização exponencial dessa presença em território cearense, principalmente com controles territoriais em periferias.
De todo modo, é seguro afirmar que não existiam elementos suficientes para que até os primeiros anos da década de 2010, nas cidades do Ceará, pesquisadores da sociologia da violência retratassem em seus trabalhos a existência de alguma facção local com capacidade de agregar e fazer o crime da maneira como CV e PCC realizavam em seus esquemas. No âmbito das pesquisas sobre o crime no Ceará, esta realidade se transforma a partir de 2015, quando não apenas surge uma facção cearense, a Guardiões do Estado (GDE)13, como também o CV e o PCC assumem um status local de maior relevância, dominando e controlando a logística do tráfico varejista de drogas e armas em territórios da periferia cearense14.
É nesse período, que compreende o segundo semestre de 2015 e o primeiro de 2016, que se inicia de maneira mais aguda a reflexão proposta nesse artigo, pois é nesse momento que o governo do Ceará adota, publicamente, uma postura de negação do fenômeno. Importante destacar que isso não é uma atitude original e que outros governos igualmente negaram a existência ou minimizaram que as facções tivessem papel relevante para a dinâmica criminal brasileira e suas consequências no sistema de segurança pública dos estados. Ademais, quase sempre negam que baixas taxas de homicídio tenham relação com armistícios entre grupos criminosos15. Não obstante, a postura do governo cearense, quando as facções já compunham o noticiário sobre crime no Ceará, foi objeto de estranhamento, sobretudo porque gerava uma situação de conflito com interpretações não apenas jornalísticas, mas também de pesquisadores que abordavam o fenômeno. Essa situação ficou evidente quando a imprensa questionou a redução dos homicídios nos primeiros meses de 2016. Naquele momento, pesquisadores entenderam que acontecia uma mudança importante na dinâmica criminal no Ceará enquanto o governo estadual mantinha o discurso oficial de que as facções não existiam ou eram insignificantes.
Ao considerar que, entre os anos de 2012 a 2015, cidades cearenses como Fortaleza e outras da sua região metropolitana apresentaram altos índices de homicídio, os primeiros meses de 2016 chamaram atenção da imprensa em razão da queda vertiginosa dos números. Em matérias escritas para o periódico El País, Alessi (2016) destacou que no primeiro semestre de 2016, em Fortaleza, ocorreu redução de 37,6% do número de homicídios em comparação ao mesmo período de 2015. A matéria faz referência ao fenômeno da “pacificação”, ou seja, um evento que marcou a capilarização das facções no Ceará, com acordos de armistícios entre grupos armados cujo resultado foi uma diminuição dos enfrentamentos e, consequentemente, dos homicídios registrados nesse período. A matéria apresenta falas de pesquisadores que apontam para essa configuração. A mesma foi rechaçada, no entanto, por argumento da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará que se manifestou na mesma matéria.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social afirma que “os resultados obtidos com a diminuição dos crimes letais são consequência de um trabalho que vem sendo desenvolvido e aperfeiçoado desde janeiro de 2014” pelo Estado. De acordo com o texto, “qualquer outra suposta razão para esses resultados positivos (...) não condizem com a realidade”. A secretaria cita o Programa Em Defesa da Vida, que dividiu o Estado em áreas específicas de policiamento, com “metas de redução de crimes aferidas diariamente”, como um fator decisivo na redução. Além disso, a pasta destaca o trabalho integrado das diferentes forças policiais como uma das razões do sucesso no “combate à criminalidade”. De acordo com o secretário Delci Teixeira, “novas ações já estão sendo idealizadas e pensadas para que possamos ter quedas ainda maiores em todos os índices de criminalidade” (Alessi, 2016).
Importante destacar que, na época da publicação da referida matéria, em agosto de 2016, o fenômeno das facções aparecia como uma experiência amplamente disseminada e de conhecimento tanto dos grupos de pesquisa das principais universidades do Ceará, bem como surgia nas narrativas de moradores das periferias, sendo inclusive algo veiculado em redes sociais. Havia pichações que demarcavam os territórios em toda a região metropolitana de Fortaleza, além da imprensa local falar do problema abertamente. Não obstante, a posição do governo estadual exigia dos gestores públicos uma contranarrativa que encontrou sustentação por pouco tempo. Afinal, os números de 2016 corresponderam ao esforço comum de grupos como PCC, CV, Família do Norte (FDN) e GDE para criar uma forma de fazer o crime de maneira que todos pudessem auferir seus lucros sem necessariamente atacarem-se. O próprio termo “pacificação” foi alcunhado pelas agências midiáticas, mas o léxico nativo em todo o processo sempre foi “paz” (Pires, 2018; Barros et al., 2018).
Portanto, desde a segunda metade de 2015 e durante todo o primeiro semestre de 2016, após os acordos de “paz” entre as facções no Ceará, houve uma redução exponencial no número de mortes violentas. O trabalho de campo apontava para o que estava explícito: nas entrevistas com os interlocutores, eles deixaram claro que a matança indiscriminada praticamente cessou a partir de ordens hierárquicas dos “patrões do crime”. Em entrevista realizada na época, um interlocutor que atua no comércio varejista de drogas em uma periferia de Fortaleza nos disse, que “antes da paz, morreu muita gente inocente. Mas agora, o que o governo não conseguiu fazer em tantos anos, os malandros vieram e fizeram em um ano. Tá vendo? Como não precisa de polícia nem de governo”.
Naquele momento, era profundamente desconcertante para o Estado admitir publicamente que a diminuição nos índices de crimes letais fora protagonizado por acordos entre facções criminosas porque, ao reconhecer o fato, demonstraria sua incompetência e fragilidade para lidar com as relações criminais. Mesmo com todas as contradições inerentes, a fala do interlocutor, quando diz que “os malandros” conseguiram em um ano estabelecer uma situação há muito tempo tentada e não conquistada pelo poder público, revela o desmanche simbólico que atinge o poder estatal, cada vez mais descredibilizado como estrutura mediadora das relações sociais e provedora de segurança.
O termo “pacificação” e a redução significativa de homicídios passa a ideia de um acordo relativamente estável entre as facções que atuavam no Estado. No entanto, vale observar que estes acordos são extremamente frágeis, pois a fluidez dinâmica do sistema de relações sociais do crime impede que algumas pretensas regularidades se imponham de modo durável no tempo-espaço, sempre abrindo clareiras a tensões, rupturas, traições etc. (Pires, 2018). Desse modo, um evento ocorrido muito longe do Ceará implicaria em uma nova configuração das facções no Estado.
Em junho de 2016, o traficante brasileiro Jorge Rafaat Toumani, de 56 anos, foi morto em seu carro blindado, na cidade de Juan Pedro Caballero, no Paraguai, a tiros de metralhadora antiaérea. As investigações indicam que o assassinato foi realizado pelo PCC, numa disputa com o CV pelo comando da “rota caipira”, na fronteira entre Juan Pedro Caballero e Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, centro-oeste brasileiro. A rota é estratégica porque, além da maconha paraguaia, também escoa a produção da pasta base de coca que vem da região de Chapare, no centro da Bolívia (Costa, 2017). Rafaat era apontado como o herdeiro do espólio de Fernandinho Beira-Mar, e por isso era um dos principais fornecedores do CV. O PCC já dominava a rota de outra fronteira, entre a paraguaia Ciudad del Leste com Foz do Iguaçu, no Paraná, sul do Brasil. Para o PCC, Rafaat representava um empecilho às pretensões do grupo de dominar, de forma quase monopólica, o comércio de armas e drogas na fronteira sul-mato-grossense. O assassinato de Rafaat provocou uma ruptura nacional entre o PCC e o CV.
As consequências desse ato declaratório de guerra ricochetearam em todo o país, gerando de imediato um caos no sistema penitenciário brasileiro, com rebeliões e dezenas de mortes em presídios de Roraima, Rondônia, Amazonas, Ceará, Rio Grande do Norte, entre outros. Dos presídios, a situações desdobrou-se. No Ceará, entre setembro e outubro de 2016, o trabalho de campo já indicava que a “guerra” havia recomeçado também nas ruas. A “guerra”, no lugar da “paz”, rapidamente reinstalou-se como signo de sociabilidade na vida das pessoas moradoras de áreas pauperizadas. Com o fim da “paz”, no Ceará o PCC se une à GDE para contrabalançar em capital humano, ou seja, em “exército” nas ruas, à aliança entre CV e FDN
Naquele momento, entre o final de 2016 e ao longo de todo o ano de 2017, observou-se o aparecimento de métodos praticamente inéditos de violência no Ceará como, por exemplo, rituais de tortura e o decepamento de jovens de grupos antagônicos ou do próprio grupo (desde que descumprissem ordens hierárquicas). Muitas cenas de tortura e assassinato –inclusive de mulheres cuja única ligação com a facção era ter uma relação afetiva com algum membro– foram filmadas e compartilhadas pelas redes sociais e aplicativos de mensagens com o objetivo de demonstrar força e poder aos grupos rivais e disciplina ao próprio grupo: “A preocupação estética do homicida é potência nas relações criminais, por isso mesmo a decapitação, o esquartejamento, o tiro que esfacela o rosto e práticas afins valem como elementos estéticos que anunciam a periculosidade daquele indivíduo e do grupo” (Pires, 2018: 233).
Este novo arrojo nas punições e execuções criou um sentimento de pânico em parte considerável das populações afetadas, principalmente nas periferias. Novas dinâmicas de controle social foram implementadas e a tensão alcançou lideranças comunitárias tradicionais cujo trabalho foi interrompido e até mesmo objeto de ameaça. Os conflitos entre as facções se espalharam de maneira irresistível. Duplos e triplos homicídios passaram a ser recorrentes nos noticiários. E chacinas, muitas chacinas, com quatro vítimas ou mais, pipocaram por todo o Ceará.
Os doze meses de 2017 foram os mais violentos em relação a crimes de homicídio na história do Ceará. O ano encerrou com 5.134 eventos desse tipo, uma média de 14 assassinatos por dia. Quando comparado com 2016, o ano da “paz”, o Estado teve um incremento de mais de 50% no número de crimes letais intencionais, passando de 3.407 durante a “pacificação” para 5.134 na “guerra”. Em Fortaleza, o salto foi ainda mais drástico: de 1.007, em 2016, para 1.978, em 2017, aumento de 96,6%16. Em 2018, os índices continuaram alarmantes.
Se em 2016, quando pesquisadores e a imprensa local já diziam que o arrefecimento nos índices de letalidade tinha relação com os “acordos de paz” nas comunidades pobres, o Estado refutava com veemência a informação –inclusive negando a existência desses grupos no Ceará– em 2017, de maneira oportunista, os seus agentes credenciaram o aumento exponencial nos índices de homicídios não às fragilidades inerentes de suas políticas públicas, mas a “disputas pelo tráfico” capitaneadas pelas facções. Ou seja, quando foi conveniente para o Estado, as facções passaram a existir e lhes foi atribuída toda a responsabilidade pelos altos índices de homicídio.
Embora existam inúmeros momentos emblemáticos, é possível afirmar que a Chacina das Cajazeiras, em 27 de janeiro de 2018, foi um marco do conflito armado e da capacidade das facções em promover dor e sofrimento a pessoas nas periferias de Fortaleza. Neste dia, um grupo de faccionados da GDE invadiu uma casa de show no bairro Cajazeiras, zona sul de Fortaleza, e matou 14 pessoas, sendo 8 mulheres. O fato marcou a história da segurança pública no Ceará porque contrariava a ideia de que a morte na disputa entre facções só alcançava os envolvidos com as práticas delitivas, ou seja, era uma “guerra” entre criminosos. Moradores do bairro se manifestaram em diferentes órgãos de imprensa, insistindo e defendendo os mortos como pessoas que não tinham envolvimento com práticas criminais, constrangendo o governo do Estado e exigindo justiça paras as vítimas.
Além da situação das Cajazeiras, outras mortes relevantes já haviam ocorrido como a de Cristina Poeta, no bairro do Genibaú, zona oeste de Fortaleza, em dezembro de 2017. O assassinato de Cristina foi um evento emblemático porque, tradicionalmente, lideranças comunitárias eram pessoas revestidas da ideia de que envolvidos no crime respeitariam essas personalidades locais. A morte de Cristina evidenciou uma situação que já estava acontecendo, sendo possível em trabalhos de campo e eventos nas comunidades ouvir lideranças locais relatando medo de represálias por conta de suas atuações políticas comunitárias. Na fala de uma dessas lideranças, em evento sobre a segurança na periferia de Fortaleza, realizado por um organização não-governamental da região do Grande Bom Jardim (conjunto de bairros da zona oeste de Fortaleza com IDH baixíssimo), foi possível observar seu receio porque, segundo ela, “agora está perigoso para a gente, esse pessoal não respeita nada”. O resultado mais devastador de toda essa dinâmica de guerra são os “ecos da violência” (Freitas, 2003), ou seja, os efeitos simbólicos e políticos de experiências morais que passam a estruturar as relações sociais das pessoas que, por estarem inseridas no território, compartilham vivências aproximativas com esse fenômeno. O medo de viver a socialidade das ruas é um dos ecos da violência mais recorrentes.
Ademais, outra situação que ganhou relevância nesse cenário foi a expulsão de moradores de suas casas. Famílias inteiras passaram a ser expulsas de suas habitações por qualquer ligação de parentesco ou amizade com membros de facções rivais. Estes confiscos de imóveis ocorreram em diversos territórios de Fortaleza e de sua região metropolitana, como a comunidade Babilônia, no bairro Barroso; a Cidade de Deus, no Lagamar; houve casos também nos bairros Barra do Ceará, Pirambu, José Walter, Conjunto Palmeiras, Jangurussu, na cidade de Caucaia etc.
É importante destacar que o processo de capilarização das facções produziu uma reterritorialização dos espaços sociais ocupados por pessoas que fazem o crime e afetam a comunidade por meio da sua ação. Até meados da década de 2010, as periferias de Fortaleza e de médios centros urbanos cearenses conviveram com a presença de grupos armados identificados como quadrilhas de traficantes. Em determinados bairros da capital cearense, era possível encontrar dois ou até mais grupos disputando o domínio do tráfico varejista de drogas em um território circunscrito e demarcado pelas especificidades locais de fronteiras de um conjunto, assentamento, comunidade, favela, ocupação, entre outras denominações. Assim, a quadrilha de um território disputava espaço e poder com outra quadrilha do mesmo território, desenvolvendo um conflito restrito à localidade e que raramente impactava em outros territórios.
As facções mudaram essa realidade, transformando todo o Ceará em território disputado entre duas grandes associações de grupos armados, uns identificados com a GDE e outros com o CV. O processo de acomodação das forças foi extremamente complexo porque todos os grupos de um território precisaram vincular sua identidade e interesses à facção sob pena de sofrer as consequências de possíveis deslealdades ou desconfiança de que pudessem ter ligações com o grupo rival. Quando essa acomodação não foi possível, os grupos identificados com a outra facção foram expulsos dos seus territórios originais, precisando se deslocar para outros locais. Esse movimento de acomodação ainda se tornou mais complexo com os processos de luta armada entre as facções que, em uma disputa pela hegemonia do crime nas cidades cearenses, invadiram e disputaram territórios de grupos inimigos, expulsando e criando um novo regime de controle dos territórios associados por meio do sucesso de uma empreitada violenta. Embora existam muitos desdobramentos que merecem atenção, esta reflexão se concentrará em um aspecto dessa disputa essencial para a proposta apresentada neste artigo.
Antes das facções, os moradores das periferias cearenses conviveram com as lutas das gangues e quadrilhas como um conflito estático, ou seja, havia mortes entre os grupos em conflito armado, mas dificilmente a invasão e a ocupação do território inimigo. As facções, no entanto, mudaram essa economia moral do crime porque a partir da sua capilarização no Ceará os territórios foram invadidos e o controle de um determinado grupo armado daquele local passou a ser possível de ser substituído. Isto acarretou outra consequência para os moradores, mesmo não envolvidos na ação de facções, pois famílias inteiras foram expulsas de suas moradias em razão de serem acusadas de algum tipo de vínculo com os inimigos daquele grupo que passou a controlar o território. Algumas famílias relataram que isso aconteceu porque tinham parentes associados à facção inimiga, outras porque foram consideradas suspeitas de algum vínculo ou mesmo de serem simpatizantes e, em alguns casos, as pessoas expulsas não sabiam ao certo por qual motivo isso aconteceu. Conforme informações da Defensoria Pública do Estado do Ceará, aconteceram situações de duas centenas de pessoas expulsas de suas casas em uma única comunidade. Tal fato despertou atenção da imprensa e da oposição ao governador Camilo Santana não apenas pelo número de pessoas expulsas, mas por relatos de que policiais, num ato de aquiescência à situação, estavam escoltando moradores “em segurança” para fora de seus locais de moradia. Diante de tantas situações de violência e expansão da ação de facções no Ceará, o governador Camilo Santana precisou responder aos problemas de segurança pública e o artigo vai explorar doravante algumas das ações que, durante a investigação que originou esse trabalho, ficaram marcadas como uma “reação” do poder público ao domínio das facções17.
Diante de uma guerra em curso
Como dito anteriormente, o esforço inicial do governo do Ceará, sobretudo ao longo do ano de 2016, foi não apenas negar, mas confrontar a ideia de que as facções criminosas tinham uma relevância para as estatísticas criminais nas cidades cearenses. Entre as falas que ganharam notoriedade na imprensa, também foi possível verificar outra do então secretário de segurança pública Delci Teixeira quando ele ressaltou que “hoje, qualquer pirangueiro que joga uma pedra na janela de uma delegacia, por exemplo, já é considerado o novo Al Capone. Aí, chega no presídio como se fosse um bandido de extrema periculosidade”18. Ainda segundo ele, havia uma espécie de “glamourização” das facções que criava um pânico na população e gerava maior sensação de insegurança, alertando para o fato de que o fenômeno não deveria ser tratado dessa forma. As falas do secretário, juntamente com as do governador, passaram a encontrar na realidade alguma resistência, pois os casos associados às facções no Ceará passaram a ganhar notoriedade pelas suas extensão e gravidade. Sequências de chacinas, expulsões de moradores e vídeos de “tribunais do crime” e execuções sumárias se tornaram comuns. No final de 2016, a situação dos indicadores de homicídio era totalmente diferente do início do ano e indicava a necessidade de novas estratégias para enfrentamento do crime no Ceará.
Ademais, a capilarização das facções no Ceará proporcionou à oposição ao governador Camilo Santana uma oportunidade de afetar seu capital político. Desta maneira, seus adversários buscaram dar ampla visibilidade às denúncias de crimes cometidos por facções, ampliando o alcance dos problemas enfrentados pelo governo e capitaneando a crise na segurança pública como forma de atacar o governo. Inclusive, em abril de 2016, no parlamento da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, o então deputado estadual Capitão Wagner (capitão da polícia militar, com muita influência entre soldados e praças da corporação) reagiu à fala do então secretário Delci Teixeira sobre a “glamourização” das facções. Ele destacou que o secretário deveria avisar ao governador que “os pirangueiros estavam com um poder muito grande”, realizando ameaças ao próprio govenador e outros políticos, inclusive com ameaças de ataques a bomba à própria Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Depois questionou o discurso de que não havia crime organizado no Ceará, ressaltando em seu pronunciamento o seguinte:
Foi preso no estado do Ceará o número um do PCC que estava solto, porque o número um que tava preso era o Marcola e o número um que tinha assumido a gestão do PCC era o irmão dele. E onde é que estava o irmão do Marcola? Tava no Rio de Janeiro, tava em Pernambuco, tava em São Paulo? Não. Tava aqui em Fortaleza. E a Polícia Federal prendeu e nessa operação não só prendeu o irmão do Marcola como apreendeu meia tonelada de cocaína e 26 toneladas de maconha. Será meus amigos? Será senhores e senhoras que são pirangueiros realmente que estão agindo no Estado do Ceará?19.
Na oportunidade, o deputado cita ainda 26 ataques a prédios públicos que aconteceram no Ceará naqueles meses. É importante destacar que, naquele ano, o deputado Capitão Wagner disputou a eleição para a prefeitura de Fortaleza contra o então candidato do grupo político apoiado pelo governador Camilo Santana, Roberto Claudio. Wagner perdeu a eleição em segundo turno mesmo tendo alcançado 46,43% dos votos. Não obstante, ele se transformou no principal adversário político do então governador do Estado, disputando posições de poder e sendo o porta-voz das críticas mais contundentes à administração de Camilo Santana. Este fato é importante porque, de alguma maneira, o governador se encontrou desafiado por Wagner em diversos momentos ao responder pelos problemas de segurança pública ao longo de sua administração.
No início de 2017, aconteceu uma mudança importante na Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), assumindo a pasta um novo secretário com perfil distinto do seu sucessor. Enquanto Delci tinha um perfil moderado em suas declarações, tentando dissuadir a opinião pública da real dimensão do problema das facções, o novo secretário, André Costa, desde o início do seu trabalho deixou evidente que sua linha de ação envolvia o enfrentamento aberto com os grupos criminosos que atuavam no Ceará. Segundo ele, em uma coletiva de imprensa, “a gente tomou a decisão de partir pra cima do crime. De agir com força contra esses covardes, esses bandidos covardes que estão todo dia apontando arma na cabeça do cidadão”20. As declarações do novo secretário marcaram uma dupla ruptura com a atuação de seu antecessor, pois escalavam a tensão abertamente entre forças do Estado e as facções, trazendo ainda para o cenário político novos elementos de uma personalidade supostamente disposta a combater o crime e alimentar a imprensa cearense com declarações à altura dos adversários políticos de Camilo Santana.
Ao final do ano de 2017, como já citamos, o Ceará bateu recorde histórico de homicídios, mas o governo manteve sua postura, insistindo em um discurso de trabalho “bem feito”, o que àquela altura mostrava-se desconexo da realidade. O secretário, em sua performance corporal, em vez do terno e da gravata, aparecia publicamente com um uniforme todo preto próprio aos aparatos policiais e, mesmo em ocasiões de reunião de Estado, cerimônias e entrevistas, fazia questão de demonstrar estar preparado permanentemente para entrar em ação. Diante da situação de descalabro, a estratégia política do governo estava colocada: uma suposta demonstração viril de força contra o crime organizado. Não recuar era uma tentativa de mostrar poder e consequentemente convencer a população de que as coisas iriam mudar a médio e longo prazos, mesmo com os indicadores altos de violência naquele momento. Sustentar essa performance como tática política se mostrou importante para a preservação do capital político do governador e desconstrução dos opositores que exigiam mais ações contundentes e de enfrentamento.
Neste ponto, é importante destacar que um outro fenômeno foi percebido no Ceará, no período de 2017. Embora o governador Camilo Santana estivesse eleito como um candidato do campo ideológico da centro-esquerda brasileira, seu discurso visou alcançar um eleitorado de centro-direita e de direita. Assim, pouco se ouviu no Ceará falar em direitos humanos como uma ferramenta propositiva para políticas de segurança pública. O enfoque central do discurso político que reverberou na imprensa e nas ações de segurança pública foi enfrentar por meio de força policial as atividades criminosas das facções. Embora o governo mantivesse um programa chamado Ceará Pacífico, com variado número de ações sociais e equipes técnicas atuando junto a movimentos sociais, a sua escala não se equivale a todas as medidas tomadas para ampliação de pessoal e armamento das forças policiais, foco em operações de combate e prisões de envolvidos com facções21. Foram também criadas estruturas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico para a área da segurança pública22, garantindo ao governo um verniz de trabalho profissional embasado por uma estratégia de planejamento para enfrentamento do crime e da violência no Ceará.
As operações policiais ganharam ampla visibilidade e se tornaram uma moeda política no intuito de sempre mostrar à população que o governo estava agindo firme. Em 2017 e 2018, é possível afirmar que certos domínios territoriais, nas periferias de Fortaleza, estavam consolidados pelas facções cujas ordens envolviam controle da população, assassinatos decorrentes de julgamentos sumários e expulsões de moradores acusados de vínculos com outras facções, entre outras ações. Os agentes estatais foram instigados a responder por esse problema, pois a população experimentava um tipo de interferência das facções em suas rotinas diárias que afetava de maneira significativa sua qualidade de vida e segurança. Ao longo do processo de pesquisa, foi possível encontrar registros de manifestações públicas do secretário de segurança André Costa falando dessa situação. Ao ser questionado por jornalistas sobre as ocupações ele respondeu: “Não temos áreas dominadas nem por polícia, nem por bandido. Nós temos algumas áreas com maior presença de criminosos, e áreas em que a polícia predomina, entregando-as à população”23.
Apesar da declaração do secretário, a mesma matéria retrata um levantamento feito pelo Núcleo de Habitação e Moradia da Defensoria Pública do Estado do Ceará. Neste levantamento, a Defensoria aponta que entre novembro de 2017 e julho de 2018 pelo menos 520 pessoas foram expulsas de suas moradias em virtude da ação de facções criminosas. Embora não negue os dados, a postura do governo por meio do secretário de segurança consistiu em insistir no fato de que, no ano de 2018, os números de crimes sofriam uma redução, acionando sempre a ideia de que “o trabalho estava sendo feito” e os resultados iriam aparecer adiante. Outra declaração importante do secretário nesta mesma matéria foi a seguinte: “Sabemos que o desafio da segurança pública não vai ser resolvido do dia para a noite. Não existe solução pronta nem fórmula mágica, e nem vai ser resolvido apenas com a polícia”. Convém relembrar que o governo do Estado, por meio de iniciativas da vice-governadoria no âmbito do programa Ceará Pacífico, mantinha ações sociais junto às comunidades. Contudo, outra crítica feita ao governo Camilo Santana se referia justamente ao baixo investimento nestas ações em comparação aos feitos nas polícias do Ceará e em políticas de repressão acionadas por meio da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
No Ceará, o problema dos territórios teve muita visibilidade na cobertura jornalística e mesmo na pesquisa científica local a respeito da ação das facções no Estado. Não obstante, no final de 2018, estava evidente que o problema das facções encontrava nas prisões condições sociais objetivas que possibilitavam a reprodução de estratégias utilizadas nas ruas das cidades cearenses. Assim, as facções mantinham uma estruturação a partir das prisões cujas pesquisas demonstraram ser um elemento fundamental na consolidação desse tipo de coletivo criminal e na construção de suas estratégias de poder. Umas das pautas de discussão era o controle dos sinais telemáticos nas prisões, pois as pesquisas sublinhavam que o uso dos celulares pelos detentos era generalizado. Havia celas inclusive com televisores. O governo era acusado de não ter coragem para tomar uma atitude para inibir esta situação em razão do medo de retaliações das facções. Mesmo mudanças e transferências de lideranças eram objeto de discussão e dúvidas levantadas pelos opositores do governador em relação à sua capacidade de ter o controle das prisões e, consequentemente, quebrar as bases de articulação e estruturação das facções no Ceará.
Em 2018, Camilo Santana enfrentou eleições para o governo do Estado na condição de candidato à reeleição. Foi eleito em primeiro turno, com 79,96% dos votos. Não obstante, o governador sabia das condições que encontrava no enfrentamento da violência e decidiu tratar de uma das áreas mais sensíveis de sua gestão, o sistema prisional. Após sua eleição, decidiu realizar uma reforma administrativa na então Secretaria de Justiça e Cidadania, desmembrando-a e criando a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). A sua iniciativa ganhou visibilidade, sobretudo, pela indicação do então secretário de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte, Estado vizinho ao Ceará, Luís Mauro de Albuquerque, para assumir a SAP. Importante destacar que Albuquerque já havia atuado no Ceará em virtude da crise no sistema penitenciário de 2016, quando os agentes penitenciários entraram em greve e as facções tiveram o caminho facilitado para rebeliões e assassinatos no interior do sistema. Naquele momento, Mauro comandava a Força de Intervenção Penitenciária Integrada (Fipi) do Ministério da Justiça, que foi enviada ao Ceará para ajudar na reorganização do sistema prisional cearense, que entrou em caos na greve que durou 17 horas e deixou 14 presos mortos. O movimento paredista foi controlado, mas a instabilidade no sistema durou cerca de quatro meses.
Entre as questões pontuadas por Albuquerque para controlar o sistema no Ceará, ganhou destaque sua declaração publicada no jornal O Povo:
Aqui, tenho duas facções dentro da mesma unidade. Muitas vezes sou criticado por isso. Acham arriscado, mas temos controle total, durante 24 horas, e separamos por alas. Não dou espaço para o preso. O espaço que ele ocupa é do Estado e ele vai para onde o Estado determinar.24
Entre essas e outras declarações, ao instituir Albuquerque como seu secretário, o governador Camilo Santana abriu uma nova frente importante no enfrentamento das facções. Em linhas gerais, sua escolha seguia o mesmo caminho adotado quando nomeou André Costa para a pasta da segurança pública. Mauro também era um homem que preferia o uniforme policial a terno e gravata, com forte apelo às virtudes da masculinidade como elemento de performance para destacar seu ímpeto de combater o crime. Assim como o secretário de segurança André Costa, Mauro Albuquerque manteve a ideia de determinação na capacidade do Estado controlar e vencer as facções atuando de maneira enérgica e sem negociação com os responsáveis pela estruturação desses coletivos criminais. A lógica da nomeação, também, foi consolidar a ideia de que Camilo Santana era um governador que não se eximiu do compromisso de encarar o crime.
Importante destacar que tradicionalmente no Ceará a gestão das prisões fora feita por secretários vinculados a instituições de justiça. Socorro França, secretária que antecedeu Mauro Albuquerque, era procuradora de justiça vinculada ao Ministério Público. Antes dela, o secretário foi Hélio Leitão, advogado, professor e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB/CE). Hélio assumiu a secretaria em 2015 e foi substituído por Socorro França em janeiro de 2017, logo após rebeliões decorrentes do conflito entre facções. Ambos eram figuras públicas que representavam a institucionalidade e o papel do direito como elemento civil ordenador da sociedade. Suas falas e performances corporais, incluindo vestimentas, visavam a essa ideia de agentes públicos pautados pela lei. A substituição dessas figuras públicas por um policial civil mexeu também nas relações de poder e distribuição de cargos no âmbito do governo estadual, alterando a concepção de gestão à frente da administração do sistema penitenciário local. As facções, no entanto, se movimentaram diante da mudança e impuseram uma nova crise, abrindo mais um capítulo importante na disputa por quem “manda no Estado”.
Atentados no Ceará e reações do Estado
Enfrentar as facções nos territórios urbanos exigiu estratégias diversas, com forças policiais militares e civis atuando na contenção de eventos criminais variados. O caminho adotado foi de operações policiais que visavam à saturação de um território e depois de outro e outro, deixando frentes em aberto em função da impossibilidade de um controle absoluto dos espaços sociais de atuação das facções. O problema das prisões era outro, pois ali o Estado tinha a possibilidade de alcançar cada um dos presos e espaços em que se encontravam. A própria reação desses presos poderia ser calculada em função das possibilidades que cada prisão oferece para uma ação deles em circunstâncias que o então secretário Mauro Albuquerque anunciava poder controlar por meio de procedimentos de contenção dos encarcerados. Neste artigo, não será possível tratar especificamente das nuances desse fenômeno, estudado por Siqueira (2023) em sua tese sobre o sistema penitenciário do Ceará. Interessa aqui o processo de reação das facções nas ruas ao que estava proposto para acontecer nas prisões.
Em resposta à nova política adotada pelo Estado nas penitenciárias cearenses, em janeiro de 2019 as facções estabeleceram uma trégua momentânea entre si e iniciaram a maior série de ataques a bens móveis e imóveis, públicos e privados, da história do Ceará. Vale registrar que durante os ataques, endossando a lógica de trégua entre os grupos armados, houve uma queda vertiginosa em quase 50% nas taxas de homicídio (Castro, 2019). Embora eventos como os ataques a bens móveis e imóveis não fossem uma novidade, agora eles tinham uma proporção maior em escala e quantidade25. Para se ter uma ideia da dimensão desta onda de ataques, em 2017 foram 34 eventos desse tipo entre 19 e 22 de abril; entre janeiro e o início de fevereiro de 2019, foram contabilizados 283 ataques realizados em 56 das 184 cidades do Ceará, sendo quase a metade deles em Fortaleza26. A Força Nacional, grupamento policial especial vinculado ao Ministério da Justiça do Governo Federal, foi enviada ao Ceará para ajudar na contenção dos eventos após solicitação de reforço do governador Camilo Santana. Convém ressaltar que, neste momento, várias ações relacionadas a transferências de presos estavam em curso e os primeiros delineamentos da gestão de Mauro Albuquerque evidenciavam novas dificuldades para as ações das facções.
Um elemento importante desse período foi a estratégia de que os presídios a partir da nova gestão não teriam mais a separação entre facções, podendo dois ou mais grupos serem reunidos na mesma unidade prisional. O trabalho de campo nos mostrou que os ataques tinham direta relação com este fato. A nova política foi considerada imprudente por movimentos de direitos humanos, mas, mesmo diante das evidências, os gestores estatais não retrocederam em razão do custo político que um recuo naquele momento poderia trazer.
A intensificação dos ataques foi a maneira encontrada para gerar constrangimentos às ações do Estado, com ameaças crescentes e um cenário cada dia mais perigoso para a população. Além dos ônibus, em levantamento feito por jornais locais em janeiro de 2019, observou-se a realização de ataques a infraestruturas urbanas, como um viaduto, agências bancárias, concessionárias de automóveis, aparelhos de medição de velocidade no trânsito, semáforos, delegacias, câmeras de videomonitoramento, postos de gasolina, veículos de empresas e órgãos públicos, caminhão da coleta de resíduos sólidos, automóveis particulares. Vale salientar que nem todos os ataques foram bem sucedidos em destruir a estrutura. Não obstante, no caso do viaduto, no município de Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza, a base do equipamento ficou bastante danificada, sendo necessário seu isolamento para avaliação e reparos.
A mobilidade da população foi um dos maiores danos nos dias de ataques, pois além da sensação de insegurança, as empresas de transporte público recolheram ônibus em função da situação. Muitos comerciantes, sobretudo nos bairros populares, fecharam as portas de seus comércios. A coleta de lixo também foi afetada e outros serviços públicos e privados sofreram alterações nesse período. Todas essas situações afetaram a economia do Estado e colocaram uma pressão maior para que os ataques fossem contidos com maior urgência possível. Ao final da primeira semana de ataques a situação era visivelmente precária na circulação pela cidade, assim como a manutenção de comércios fechados prejudicava o acesso da população a bens e serviços. A quantidade de lixo nas ruas também se tornou um problema importante para a saúde pública, gerando diferentes danos para a população.
Os ataques de janeiro de 2019 criaram uma situação incontornável para a gestão da delicada economia política e moral existente entre os que fazem o crime e as instituições estatais. As facções que atuam em terras cearenses só alcançaram a posição de domínio de territórios e prisões porque encontraram condições materiais objetivas para a expansão de suas ações. A omissão, conivência e participação direta de agentes públicos, mesmo quando não explícita, foi importante neste processo. Não se trata de indicar os responsáveis, mas de compreender que práticas criminais são adaptáveis às condições que encontram e, portanto, se movimentam em consonância com as oportunidades e possibilidades de sucesso encontradas em um determinado cenário político-econômico. Existia, por exemplo, um tipo de economia das prisões que foi frontalmente ameaçada em razão das medidas anunciadas. Os ataques são a reação de um grupo político interessado na manutenção de uma ordem que permite às facções se mover, controlar espaços e afetar populações de acordo com seus afetos e interesses. Ameaçar transformar essa realidade era, portanto, um anúncio de transformação da economia política e moral entre criminosos e gestores públicos.
Vencida a eleição, o início do novo mandato foi o momento crucial encontrado pelo governador Camilo Santana para completar sua iniciativa de enfrentamento das facções aberta desde a nomeação do secretário de segurança pública André Costa, mas então realizada apenas no plano dos territórios, mantendo as prisões ainda como um espaço difuso e impenetrável em sua gestão. Sua intenção com o novo secretário de administração penitenciária Mauro Albuquerque e as medidas anunciadas por este era intensificar um enfrentamento no interior das prisões, criando uma nova economia política e moral de gestão das vidas de presos nas unidades carcerárias. Mais uma vez demonstrou que estava disposto a compreender os ataques das facções como uma reação a um trabalho difícil, mas necessário para o bem da população cearense. Vencer as facções também nas prisões era uma meta que o governador desejava cumprir, visando ao capital político decorrente da contenção das ameaças de grupos armados atuantes no Ceará.
Apesar das críticas aos anúncios feitos, o governador e os secretários de segurança pública e de administração penitenciária alinharam o discurso e não retrocederam em suas falas, reafirmando as iniciativas e o compromisso no enfrentamento aberto aos responsáveis pelos ataques. Em meados de janeiro de 2019, depois de duas semanas de ataques, as declarações das autoridades de governo citadas continuavam a reivindicar uma posição de contundência contra as facções, com anúncios de medidas como: transferências de lideranças para presídios de segurança máxima; criação da “lei de recompensas” para pagar por denúncias vindas da população; convocação de policiais da reserva; pagamento de horas extras para operadores de segurança pública; e convocação imediata de 220 agentes penitenciários. Para que as ações pudessem entrar em curso com o devido amparo legal, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará suspendeu o recesso para votação em sessão extraordinária. Ao ser questionado por jornalistas sobre as medidas, o principal opositor do governo, Capitão Wagner, eleito deputado federal em 2018, respondeu que “todas as medidas são adequadas. Não vi nada negativo nessas ideias”. Em pronunciamento nas suas redes sociais, Camilo Santana ressaltou:
Não aceitamos que, aqui no Ceará, criminosos presos continuem dando ordem de comando de dentro das prisões, como acontece há décadas em todo o Brasil. Governo, Poder Legislativo e Judiciário do Estado, além do Ministério Público e entidades civis, estão todos unidos27.
Aqui, o governador Camilo Santana ressalta o compromisso de outras entidades, fortalecendo a ideia de um Estado unido contra o crime organizado, ressaltando o papel de múltiplas instituições como responsáveis pelo trabalho contra as facções. Apesar dessa conclamação de um trabalho conjunto, desde a nomeação de um policial civil para a administração penitenciária, o governador deixou muito evidente sua concepção de justiça e segurança, fortemente marcada pela ideia de um trabalho policial predominante frente às ideias de justiça e garantia de direitos. Seus dois homens de confiança nessa área eram policiais, com forte performance corporal e discursiva na ideia de um trabalho policial estratégico pautado em operações de controle do crime e medidas persuasivas para dissuadir atividade criminosas. A partir das mudanças na Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), o Estado assumia a necessidade de combate, imprimindo uma crítica sistemática a movimentos e agentes políticos que o criticavam por ações contra uma perspectiva de garantia de direitos. Em nome “da lei e da ordem”, a administração de Camilo Santana assumiu o ônus de medidas autoritárias e avançou em processos como encarceramento em massa, transferências arbitrárias de presos e medidas de controle disciplinar das rotinas de pessoas sob custódia. Sobre as ações adotadas, assim respondeu o então secretário de segurança André Costa:
É um trabalho de inteligência. Não há limitador. O Estado está mostrando quem é que manda, e vai continuar firme nessas ações. E não vai ter acordo, ‘conversinha’. Temos já 29 mil homens e mulheres da Segurança Pública.28
Essa fala é importante porque mostra a extensão de uma ideia complexa e difícil de ser desenvolvida em uma sociedade cujo poder de Estado deve estar contido pelo aparato legal. O direito impõe limitações aos governantes, inclusive os responsabilizando por medidas que ultrapassem suas competências. Em nome da “lei e da ordem”, em tese, não é possível ao Estado fazer tudo o que seus agentes ambicionam. O problema é que em uma situação de ataques sistemáticos realizados por grupos criminosos que puseram pânico na população, restou pouco espaço para o contraditório e a fala de André Costa coloca a situação de maneira muito simples e objetiva. Os agentes do Estado estavam enfrentando uma situação que fugiu do controle e precisavam de ações que mostrassem aos envolvidos “quem manda”. A democracia foi reduzida a um embate sem espaço para “conversinha”, a realidade se mostrou sem contornos ou espaços para pensar a garantia de direitos, por exemplo, de pessoas presas em grande escala.
No dia 19 de janeiro de 2019, os jornais noticiavam um balanço da SSPDS que registrava o número de 399 pessoas presas desde o início dos ataques (Campos, 2019). Vinte e cinco dias depois do início dos ataques, Mauro Albuquerque concedeu entrevista ao jornal Diário do Nordeste insistindo em todos os pontos que afirmou ao assumir o cargo, declarando que “toda vez que tiver uma ação criminosa, vai ter uma reação maior do Estado; quanto mais eles fizerem, mais a gente vai endurecer dentro do sistema penitenciário” (Moreira, 2019). Nesta oportunidade, o secretário ressaltou algumas das medidas adotadas no interior do sistema prisional cearense: suspensão das visitas até terminarem os ataques; retiradas de televisores, rádios e celulares (cerca de 2.500); retirada da eletricidade das celas; mudanças nos procedimentos e rotinas; reforços de especialistas da área solicitados ao Departamento Penitenciário Nacional; contratação de novos agentes; implementação de procedimentos para impedir que grupos ganhem dinheiro dentro das prisões; endurecimento da ação dos agentes dentro do sistema. Na entrevista, o secretário destacava:
Nós não vamos ceder, vou continuar fazendo o trabalho. Nós vamos vencer. Porque o Estado é o mais forte de todos e não vai se sujeitar ao crime. Eu estou aqui para fazer cumprir a política do governador. Nós não vamos ceder. A população pode ficar tranquila. Eu não faço acordo com bandidagem, muito menos o governador. Não existe meio termo, existe a lei. E vai ser cumprida29.
Como é possível observar, foi fundamental para o governo estadual retratar a ideia de que foi disparado um processo sem caminho de volta, ou seja, as facções teriam que recuar porque os agentes estatais estavam comprometidos com uma mudança. Ainda nessa entrevista, o secretário demonstra convicção de que a população estava apoiando as medidas realizados por um governador eleito com quase 80% dos votos, nas eleições de 2018. Isto permitiu que, nas prisões do Ceará, medidas fossem adotadas apesar dos protestos e críticas oriundos de segmentos de defesa e promoção dos direitos humanos. O apoio político, aparentemente, foi lido como apoio popular e considerado pela gestão como uma oportunidade para soluções de controle social.
As ações do governo estadual, no campo da segurança pública, principalmente após a criação da SAP em 2019, produziram inúmeros questionamentos, pois para além do enfrentamento às facções, colocaram em jogo a proteção e garantia dos direitos humanos. Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “as rotinas de severos procedimentos restritivos do sistema prisional cearense atingem de modo abusivo a pessoa privada de liberdade em sua integridade e dignidade humana” (2022: 45). Apesar dessa crítica, os procedimentos se reproduziram como parte de uma rotina necessária para o controle social das atividades criminais de facções que, entre outros espaços, atuavam também nas prisões. A compreensão do governo estadual era de que ele tinha o endosso da sociedade civil em função dos efeitos sociais das facções, com assassinatos, rituais de tortura expostos nas redes sociais, expulsões de moradores e interferências diversas na segurança da população cearense (Paiva, 2022; Matos Júnior e Santiago, 2022). Os danos sociais produzidos pelas facções foram afirmados como justificativa para controlar esses grupos e suas diversas áreas de atuação, criando a mensagem de que o governo estadual se movia nessa direção sem recuar mesmo diante das dificuldades impostas em tempos de ataques contra o poder público, empresas e sociedade civil. A disputa pelo controle social foi se transformando em uma disputa de fortes referências masculinas para definição de “quem manda”, com um governo mobilizado a demonstrações públicas de sua capacidade para manutenção do monopólio da violência no Estado do Ceará.
Considerações finais
A virtude dos Estados democráticos de direito consiste no estabelecimento de referências sociais, políticas e morais capazes de ajustar por meio do direito e do exercício da cidadania as condutas, inclusive, dos agentes púbilcos. Quando os posicionamentos parecem mais voluntariosos do que ancorados na compreensão comum dos valores instituídos por uma coletividade, abre-se espaço para decisões arbitrárias e violações de direito decorrentes da ideia de que determinado problema tem de ser resolvido a qualquer custo. No Brasil, ações de segurança do poder público geram violência policial, racismo institucional e prisões arbitrárias cuja consequência é o encarceramento em massa, entre outras violações de direitos de pessoas negras e pobres de maneira regular. Tais situações não são eventuais e compõem um acervo de eventos conhecidos e ricamente documentados por diferentes pesquisadores de múltiplas áreas do conhecimento. Ademais, grupos e ativistas de direitos humanos têm se ocupado há anos com a escalada de violência institucional que acontece em diferentes estados brasileiros em virtude do “combate ao crime”. Assim, não é possível deixar de considerar problemáticas tanto a escalada de violência das facções quanto a maneira como o Ceará decidiu retaliar algo que, na prática, nunca deveria ter alcançado a dimensão que alcançou.
Descobrir “quem manda no Estado” não é um problema real no Ceará, pois o governo dispõe de todas as condições político-econômicas para exercer o controle que desejar em territórios urbanos e prisões. O problema é que, pelo menos desde a década de 2000, os conflitos armados não foram tratados com a importância que deveriam pelos governos estaduais, criando espaços de atuação para grupos imporem seu mando em territórios da periferia e prisões (Paiva, 2014). Em linhas gerais, os conflitos entre grupos armados foram tratados como “problemas de bandidos”, existindo com a justificativa de que era uma guerra entre envolvidos em práticas criminais, com pouco interesse de forças policiais e justiça criminal para resolução desses casos. Criou-se um cenário de boas oportunidades para crimes e o problema foi ampliado quando, em meados dos anos de 2010, as facções surgiram como força organizadora das dinâmicas criminais desenvolvidas no Ceará.
Ao final dos ataques de janeiro de 2019, é possível afirmar que o governo estadual conseguiu estabelecer uma dinâmica eficiente de gestão das prisões. Não obstante, acusações de violências, torturas e violações de direitos dos presos se tornaram recorrentes e apareceram em relatos, denúncias e documentos oficiais como o Relatório do Conselho Nacional de Justiça (2022) sobre o sistema penitenciário do Ceará. O documento detalha situações de tortura na prisão e questiona uma série de procedimentos implementados pelo governo através da SAP. Contudo, as reformas no sistema criadas pela SAP ocupam um papel central no processo de enfrentamento das facções, sobretudo, pelas mudanças na própria gestão do controle social que deixou de ser executada por agentes penitenciários para ser feita por policiais penais. Em agosto de 2020, foi simbólica a mudança de nomenclatura dos agentes penitenciários para policiais penais, com a promulgação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 04/20 pela Assembleia Legislativa do Ceará. A alteração possibilitou que os agora policiais penais alcançassem o status de agentes de uma força policial similar a todas as outras, com atribuições e competências amparadas por lei, compreendida como um dispositivo que valorizou a profissionalização e o papel institucional desses atores estatais.
O incremento quantitativo, técnico e logístico nas forças policiais cearenses foi um marco desse período de enfrentamento das facções, deixando inúmeros outros problemas sem solução devido a algo que os próprios policiais compreendiam: a sua incapacidade para solucionar um problema com múltiplas causalidades sociais e danos à vida em comum. Contudo, a orientação política que, em tese, prevaleceu foi a de que homens armados e autorizados pelo Estado poderiam vencer os outros homens armados de maneira ilegal e organizados na forma de facções. Em muitos momentos é possível observar como a masculinidade foi o elemento mobilizado para fazer uma guerra entre homens que, em alguma medida, buscam estabelecer a sua vontade e o seu mando a partir de suas posições na gestão pública ou no “mundo do crime”. Em suma, observou-se muitas manifestações voluntariosas de atores estatais que, em sua performance pública, precisavam não apenas responder perguntas, mas demonstrar seu vigor em fazer valer a sua vontade como vontade do Estado e, portanto, capaz de solucionar um problema que continua até o início de 2023 apesar de todas as suas ações.
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1 Os resultados apresentados contaram com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do Projeto de Pesquisa “Os efeitos sociais do crime nas periferias urbanas de Fortaleza”.
2 Para uma reflexão sobre o processo pelo qual as facções emergiram e capilarizaram-se como fenômeno criminal no Ceará ver Paiva, 2019; e Pires, 2018: 236-278.
3 Os resultados são em parte fruto do projeto de pesquisa “Os efeitos sociais do crime em Fortaleza” financiado com recurso da Universidade Federal do Ceará e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Eles também são resultados de pesquisas vinculadas ao Programa de Pós-graduação em Sociologia em nível de mestrado e doutorado do pesquisador Artur de Freitas Pires.
4 Discute-se aqui o discurso público na perspectiva de James Scott (2013), ou seja, como um trabalho político para exercer relações de dominação que existem não sem a resistência dos que se buscam subordinar.
5 Importante destacar que a escolha dos agentes estatais vinculados ao governo do Estado do Ceará e não às prefeituras dos municípios acontece em virtude da responsabilidade sobre a segurança pública, no Brasil, ser, conforme determina a Constituição de 1988, dos governos estaduais.
6 Segundo Weber (1991[1920]), o conceito de comunidade representa a antítese da luta social, uma vez que “uma relação social denomina-se relação comunitária quando e na medida em que a atitude na ação social [...] repousa no sentimento subjetivo dos participantes de pertencer (afetiva ou tradicionalmente) ao mesmo grupo” (p. 25).
7 Stanley Tambiah (1996) argumentava que “the concepts of routinization and, more important, ritualization of collective violence may help us to perceive some of the organized, anticipated, programmed [...] and phases of seemingly spontaneous, chaotic, and orgiastic actions of the mobs as aggressor and victimizer” (p. 230, grifos do original).
8 Para um maior detalhamento teórico e empírico sobre essa anterior configuração da criminalidade pobre no Ceará, que inicia-se nos anos 1980 com as gangues de bairros e de pichação, que disputavam poder e prestígio social nos bailes funk, e em um posterior contexto, nos anos 1990, com a ascensão de quadrilhas locais de varejo de drogas, ver Pires, 2018: 204-214.
9 A fim de contextualizar, Fortaleza é a capital do Ceará, sendo a quinta cidade mais populosa do Brasil, com 2,7 milhões de habitantes e uma região metropolitana com pouco mais de 4 milhões de pessoas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2022).
10 FEITOSA, Márcia. (17/01/2018) Crime organizado: um problema nacional que aflige o Ceará. Diário do Nordeste. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/crime-organizado-um-problema-nacional-que-aflige-o-ceara-1.1878935. Acesso em: 08/03/2023.
11 Também conhecida como “boca de fumo”, “boca” ou, principalmente em São Paulo, “biqueira”: local onde são comercializadas substâncias psicoativas ilícitas, sobretudo maconha, cocaína, “crack” (um subproduto da cocaína) e, dependendo do local, também drogas lícitas – legalmente vendidas apenas em farmácias sob prescrições restritas – como os psicotrópicos “tarja preta”. A “bocada” é algumas vezes a casa onde reside, com sua família, o varejista que revende as substâncias ilegais, mas pode ser também, muitas vezes, um local utilizado exclusivamente para o fim de transacionar estas mercadorias.
12 Para compreender as transformações na dinâmica e na logística do tráfico de drogas nas periferias de Fortaleza dos anos 1990 aos dias atuais, ver Matos Júnior, Neto, e Pires, 2022.
13 Embora a narrativa de que a Guardiões do Estado nasceu no bairro Conjunto Palmeiras, em Fortaleza, em 2015, seja a mais recorrente – sendo inclusive a versão propagada pela mídia cearense – também já ouvimos durante o trabalho de campo que ela foi criada antes, por volta de 2014, na Pajuçara ou no Jereissati, bairros de Maracanaú, cidade da região metropolitana da capital cearense. Para dar maior verossimilhança à segunda versão, dois de seus principais líderes, Edgly Dutra Barbosa, o “Dudeca”, de 35 anos, e Mazola Pereira da Costa, o “Márcio Magneto”, de 47 anos, foram presos em Maracanaú, cidade onde residiam e controlavam o tráfico na região. Propomos como hipótese de trabalho que a GDE pode ter sido fundada associadamente por agentes criminais com papel de liderança no Conjunto Palmeiras e em Maracanaú. Como ponto convergente, sabe-se que a GDE surgiu como um contraponto às facções nacionais CV, PCC e FDN, que começam a intensificar sua presença na capital cearense a partir de 2015. Os fundadores da GDE eram contra as “caixinhas”, as mensalidades cobradas pelas facções de outros estados.
14 Para uma maior imersão teórico-empírica nesse contexto da crescente capilarização das facções em territórios cearenses, ver Pires, 2018: 247-55.
15 Gabriel Feltran et al. (2022) analisaram como variações nas taxas de homicídios no Brasil têm relação muitas vezes direta com os conflitos entre facções.
16 Dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará.
17 Sobre esse contexto de domínio e controle territorial das facções no Ceará, ver Paiva (2022).
18 Secretário diz haver “glamourização” de ataques criminosos. (27/04/2016). O Povo. Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2016/04/secretario-diz-haver-glamourizacao-de-ataques-criminosos.html
19 Discurso na tribuna da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, abril de 2016. Disponível em: https://youtu.be/UVF_hnm97xY
20 “Justiça ou cemitério para bandidos”, afirma secretário. (28/01/2017) Diário do Nordeste. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/justica-ou-cemiterio-para-bandidos-afirma-secretario-1.1695446
21 Para melhores informações sobre o Projeto Ceará Pacífico e seu papel para a segurança pública no Ceará ver o trabalho de Lins (2020).
22 Destaca-se aqui a criação da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (SUPESP) em 2018, com intuito de subsidiar as políticas públicas com dados e relatórios analíticos (Lins, 2020).
23 “Não existem áreas dominadas nem por Polícia, nem por bandido”, diz secretário da Segurança. (07/08/2018) Diário do Nordeste. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/nao-existem-areas-dominadas-nem-por-policia-nem-por-bandido-diz-secretario-da-seguranca-1.1981429
24 Camilo anuncia secretário da Administração Penitenciária. (23/12/2018). O Povo. Disponível em: https://mais.opovo.com.br/jornal/dom/2018/12/camilo-anuncia-secretario-da-administracao-penitenciaria.html
25 Em abril de 2017 a GDE agiu numa “série de dezenas de ataques a coletivos (incineração), delegacias e outros órgãos públicos em Fortaleza. Estes eventos pararam a capital cearense por dois dias e desestabilizaram por alguns dias a ordem política e os poderios estatais da cidade. Os ataques tinham como reivindicação a transferências de presos da facção para outras instituições penitenciárias, pois muitos deles estavam sendo alocados em presídios cujo comando era do CV e da FDN. Em poucos dias, lograram seus objetivos, uma vez que, após ordem a Secretaria de Segurança Pública do Ceará, ocorreu o remanejamento dos detentos da GDE de uma unidade a outra. Os órgãos estatais negam que a redistribuição dos presos tenha sido feita para atender à facção, uma vez que seria espinhoso e contraproducente para o estatismo admitir abertamente que aquiesceu diante das ameaças em forma de riots encampadas por um grupo criminoso” (Pires, 2018: 246-247). Em julho de 2018 houve outros ataques, com oito ônibus incendiados, ataques contra agência dos Correios, bancos privados e um prédio da prefeitura, e a destruição por incêndio de mais de150 motos que estavam no pátio do Departamento de Trânsito (Detran).
26 Segundo contagem do jornal local Tribuna do Ceará. (05/02/2019) Ver: https://tribunadoceara.com.br/noticias/segurancapublica/maior-onda-de-terror-da-historia-do-ceara-veja-o-numero-atualizado-de-ataques-de-faccoes/
27 Governo anuncia recompensa a quem der informações sobre ataques no CE. (11/01/2019). Portal UOL. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/01/11/governo-anuncia-recompensa-a-quem-der-informacoes-sobre-ataques-no-ce.htm
28 Forças de segurança apreendem cerca de cinco toneladas de explosivos e prendem seis. (12/01/2019). SSPDS. Disponível em: https://www.sspds.ce.gov.br/2019/01/12/forcas-de-seguranca-apreendem-cerca-de-cinco-toneladas-de-explosivos-e-conduzem-seis-suspeitos-de-participacao-em-atos-criminosos-para-draco/
29 “Não vão me intimidar”: Mauro Albuquerque descarta renúncia ao cargo. (25/01/2019). Diário do Nordeste. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/nao-vao-me-intimidar-mauro-albuquerque-descarta-renuncia-ao-cargo-1.2054424?page=5