Volumen 33 No. 4 (octubre-diciembre) 2024, pp. 143-166
ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44
DOI: 10.5281/zenodo.13887560
Relação entre Percepção Ambiental e Consumo: uma revisão sistemática de literatura
Valéria Feitosa Pinheiro*, Anderson da Silva Rodrigues**
y Fábio Domingues Waltenberg***
Resumo
O estudo da percepção ambiental se apresenta como essencial para o estabelecimento de uma nova cultura ambiental. Um primeiro passo em prol da conservação e preservação ambiental no planeta deve ser pensado em função das percepções que populações envolvidas apresentam sobre os sistemas natural, social, histórico-cultural e econômico. Ainda no conhecimento da relação sociedade-natureza e subsidiando a construção de estratégias aptas a modificar a forma como a humanidade se relaciona com o ambiente, tem-se o consumo como uma das variáveis relevantes no estabelecimento de singulares hábitos pautados por nova ética ambiental e civilizatória. Este trabalho objetiva analisar como a relação percepção ambiental e consumo é abordada em artigos científicos, utilizando, para isso, a revisão sistemática de literatura. A percepção ambiental é prioritariamente abordada sob o ponto de vista da consciência e atitudes ambientais ou sob a concepção de um produto, em especial. O consumo é enfatizado, sobretudo, pela análise de produtos específicos ou pelo padrão de consumo do indivíduo, de modo geral. Na relação entre as duas variáveis, há predominância da percepção ambiental a partir do que se consome e do consumo como dimensão da percepção
Palavras-chave: Percepção ambiental; consumo sustentável; consumo verde; desenvolvimento sustentável
*Universidade Regional do Cariri. Crato, Ceará, Brasil
ORCID: 0000-0002-1539-2751, E-mail: valeria.pinheiro@urca.br
**Universidade Regional do Cariri. Crato, Ceará, Brasil
ORCID: 0000-0002-3282-4501, E-mail: anderson_rodrigues750@hotmail.com
***Universidade Federal Fluminense. Niterói, Rio de Janeiro
ORCID: 0000-0003-3404-7424, E-mail: fdwaltenberg@id.uff.br
Recibido: 30/05/2024 Aceptado: 23/08/2024
The relationship between Environmental Perception and Consumption: a systematic literature review
Abstract
The study of environmental perception is essential for the establishment of a new environmental culture. A first step towards environmental conservation and preservation on the planet should be based on the perceptions that the populations involved have about the natural, social, historical-cultural and economic systems. Still related to the relationship between society and nature and supporting the construction of strategies capable of modifying the way humanity relates to the environment; the consumption is considered one of the relevant variables in the establishment of unique habits guided by new environmental and civilizing ethics. This work aims to analyze how the relationship between environmental perception and consumption is addressed in scientific papers, using, for this purpose, a systematic literature review. Environmental perception is primarily addressed from the point of view of environmental awareness and attitudes or from the conception of a product, in particular. Consumption is emphasized, above all, by the analysis of specific products or by the individual’s consumption pattern, in general. In the relationship between the two variables, there is a predominance of environmental perception based on what is consumed and consumption as a dimension of perception
Keywords: Environmental perception; sustainable consumption; green consumption; sustainable development
Introdução
A crise ambiental em curso tem apontado os limites físicos e ambientais dos recursos naturais frente à demanda e aos padrões de consumo vigentes e às contradições decorrentes do crescimento econômico progressivo. Como resposta, o sistema econômico hegemônico impõe ajustes, “sequestrando a crítica à sociedade industrial e convertendo-a em mais um instrumento a serviço da sua reprodutibilidade” (Lima, 2002:118). Nesse sentido, ainda para o autor, o padrão capitalista aceita o alternativo “antes que se torne ameaçador para a seguir absorver-lhe apenas os elementos compatíveis –a reciclagem, a redução do desperdício e o reaproveitamento– suprimindo-lhe o elemento crítico – a redução do consumo”. Entende-se que o consumo é uma das variáveis que contribuem sobremaneira para alimentar o padrão de acumulação, com consideráveis pressões sobre os sistemas naturais, sobretudo, através do avanço da emissão de dióxido de carbono na atmosfera.
Internacionalmente, os estudos que colocam em cena as relações entre meio ambiente e desenvolvimento têm como marco a Conferência Mundial da ONU Sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, em Estocolmo, quando é criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e os ‘ecos’ são sentidos nos círculos políticos mundiais. Contudo, a variável ambiental é discutida com mais afinco no circuito acadêmico, protagonizando debates a partir de interesses antagônicos: por um lado, no campo onde o interesse econômico praticamente desconsidera o colapso ambiental iminente; e, por outro, onde se advoga o “crescimento zero” como possibilidade única de permanência no planeta (Camargo, 2003; L. D. Oliveira, 2012).
Dentro desses estudos, surgem as discussões sobre desenvolvimento sustentável, tendo por base o “ecodesenvolvimento” de Maurice Strong, mas sistematizado por Sachs (1986), nos anos 1980, e pelo Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMDA).
Nesse contexto, o estudo da percepção ambiental se apresenta como essencial para o estabelecimento de uma nova forma de se relacionar com o planeta. No entanto, esses estudos não devem se concentrar apenas no entendimento de como se concebe a percepção, tendo em vista a sua complexidade e expressão sociocultural, mas como esta pode refletir em ações que possibilitem modificar atitudes e promover novas condutas em prol de minimizar os problemas socioambientais.
A UNESCO1 (1973) já apontava a relevância da percepção ambiental para o planejamento do ambiente no início dos anos 1970, identificando como uma das dificuldades para a proteção dos patrimônios naturais, as diferentes percepções de valores e importâncias atribuídas a estes por indivíduos de culturas ou grupos socioeconômicos diferentes, com funções distintas no plano social destes ambientes. Assim, conservação ambiental deve ser pensada em função das percepções que populações envolvidas apresentam sobre o ambiente natural.
A percepção ambiental se refere à visão que o indivíduo tem do meio ambiente, sob os aspectos físico, natural e social. Essa percepção, na maioria das vezes, é uma construção sociocultural, sendo parcialmente individual, constituindo-se numa experiência de grupo ou particularizada. Importante considerar também a percepção ambiental a partir dos laços afetivos que são construídos em relação ao meio ambiente (L. Oliveira, 2012).
A percepção ambiental, entendida a partir do sentimento de cuidado e afeto pelo meio ambiente (Tuan, 1980), pode ser um fator determinante para a escolha de produtos que se originam numa produção que é caracterizada por práticas produtivas, sociais, culturais e econômicas que têm na sua essência a construção de relações harmônicas entre o ser humano e a natureza.
Nesse entendimento, pode-se deduzir que a pertinência da apreensão sobre a relação entre percepção ambiental e consumo, como contributo para a construção de relações sociais de produção equitativas, humanamente desejáveis e ecologicamente prudentes. Considerando as múltiplas matrizes de investigação da percepção ambiental, esses elementos remetem à inevitabilidade de identificar por onde caminham as pesquisas que apontam a relação entre percepção ambiental e consumo, objetivo central deste trabalho.
Para isso, foi escolhida, como recurso metodológico, a revisão sistemática de literatura, identificando como essa relação tem sido construída nos artigos resultantes das pesquisas sobre o tema. As etapas utilizadas para a seleção e análise dos vinte artigos utilizados nesta pesquisa envolveram: pesquisa nas bases de dados, por meio de termos de busca específicos; leitura dos resumos, descartando aqueles fora do objetivo do trabalho; leitura dos artigos na íntegra, analisando a abordagem dedicada à percepção ambiental e ao consumo, além da relação estabelecida entre essas variáveis.
Este trabalho está organizado em várias seções, a partir desta introdução. Inicialmente, aborda a perspectiva teórica da percepção ambiental na relação entre sociedade e natureza, assim como o consumo na agenda ambiental. Em seguida, descrevem-se os percursos metodológicos da revisão sistemática da literatura. A análise dos artigos selecionados é apresentada na seção de “Resultados e Discussões”, culminando com as considerações finais deste estudo.
Breves considerações sobre percepção ambiental e consumo na perspectiva ambiental
1 Percepção ambiental na relação sociedade-natureza
Os estudos sobre percepção ambiental são apoiados por diversas áreas do conhecimento, conferindo-lhes natureza interdisciplinar e sistêmica. Todavia, sua base histórico-conceitual não pode ser dissociada das matrizes filosóficas da percepção, até que se encontre um entendimento mais específico, voltado para as questões ambientais.
Segundo Chaui (2000), há três abordagens ou concepções principais da percepção: a) empirista, onde a sensação e a percepção dependem e são causadas por estímulos externos, que agem sobre sentidos e sobre o sistema nervoso, e no caminho de ida e volta ao cérebro produzem uma sensação (ou uma associação de sensações), resultando em determinada percepção; b) intelectualista, na qual a sensação e a percepção dependem do sujeito do conhecimento, sendo o exterior apenas o meio para se ter a sensação ou a percepção, ou seja, o sujeito é ativo e a coisa externa é passiva. A percepção decorre da atividade intelectual, que passa pela capacidade do indivíduo de decompor e recompor um objeto, a partir também da sua capacidade de organização e interpretação; c) fenomenológica, em que não há diferença entre sensação e percepção, pois o indivíduo não tem sensações parciais, pontuais ou elementares, que depois seriam combinadas e organizadas como percepção de um único objeto. “Sentimos e percebemos formas, isto é, totalidades estruturadas dotadas de sentido ou de significação” (Chaui, 2000:153).
Em Merleau-Ponty (2004), ao empreender crítica à abordagem intelectualista, afirma-se que o mundo não é apenas aquilo que se pensa, é também o que não pode ser refletido. A experiência não é sempre subjugada pelo juízo das coisas, em que a percepção pode ocorrer num estrato pré-intelectual, admitindo uma experiência original. Portanto, as coisas existem, mesmo que não tenhamos consciência e a percepção ocorre independente da construção intelectual que se possa fazer sobre algo.
Ainda condizente com Merleau-Ponty, “a verdade não ‘habita’ apenas o ‘homem interior’, ou, antes, não existe homem interior, o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece” (1999:6). Portanto, o autor defende a fenomenologia da percepção, argumentando que o ser humano deve perceber as coisas a partir da sua imersão no mundo vivido, baseando-se no olhar primordial sobre esse mundo.
No intuito de explanar como ocorre o processo de percepção da realidade, Del Rio (1999) apresenta um esquema teórico, tendo a seguinte sequência de fases: i) sensações, que ocorrem de forma seletiva e instantânea; ii) motivação, refere-se ao interesse e a necessidade; iii) cognição, depende da memória, organização e imagens; iv) avaliação, fase onde ocorrem os julgamentos, seleção e expectativa; v) conduta, referente a opinião, ação e comportamento. Para o autor, o processo de percepção é realimentado e passa por filtros culturais e individuais.
Seguindo a construção teórica que fundamenta o estudo da fenomenologia da percepção, cabe a Bachelard (1993) e a Tuan (1980) estabelecerem conexão com o sentido da percepção ambiental, a partir do desenvolvimento do termo “topofilia”. Esse termo, como descrito por Bachelard (1993), trata-se do sentimento por um lugar, ou seja, o valor sentimental que é atribuído pelo indivíduo aos ambientes por ele apropriados, mas que trazem, em si, o significado de proteção e cuidado.
Tuan (1980), também no sentido da topofilia, afirma que atitudes e crenças devem ser levadas em conta nessa abordagem, pois paixões humanas são importantes em qualquer cálculo ambiental, devendo o comportamento humano ser compreendido profundamente, não apenas mapeado.
Quando a compreensão dessa percepção é direcionada para o meio ambiente, L. Oliveira aduz que “trata-se, no fundo, de visão de mundo, de visão de meio ambiente físico, natural e humanizado, na maioria é sociocultural e parcialmente é individual; é experiência em grupo ou particularizada” (2012:61). A autora ainda destaca os laços afetivos que são desenvolvidos, direta ou simbolicamente, em relação ao meio ambiente, em consonância com o entendimento da topofilia de Bachelard (1993) e Tuan (1980).
Tuan ainda entende que a percepção é individual, porém subjetiva, apreendendo que a “verdade não é dada através de nenhuma consideração objetiva de evidência. A verdade é subjetivamente admitida como parte da experiência e da perspectiva global da pessoa” (1980:70). No entanto, pondera que, mesmo considerando a sua individualização e subjetividade, a percepção pode ser igual ou semelhante para um grupo social. Na tentativa de entender a preferência ambiental do indivíduo, segue afirmando que se devem considerar aspectos como a herança biológica, criação, educação, trabalho e o meio físico em que vive. No entanto, quando se refere a um grupo, é importante se conhecer a história cultural e a sua experiência, levando em conta seu contexto físico, não sendo possível diferenciar claramente os aspectos culturais e os ambientais.
Pessoas que residem num mesmo espaço físico, com interações sociais frequentes, tendem a ter pensamentos mais síncronos, fruto de vários aspectos relacionados a sua formação enquanto ser humano, inserido num contexto social e que afeta a sua forma de pensar a realidade, coadunando e convergindo para uma forma semelhante de perceber o mundo.
Deve-se considerar que os indivíduos estão inseridos em espaços econômicos, sociais e culturais. Esses espaços são lugares de vivências e de experiências, com significados complexos, em que esses indivíduos terminam por influenciar ou serem influenciados pelas percepções em cena.
Melazo (2005) acrescenta que cada um tem suas próprias percepções do ambiente, compreensões relativas a imagens e significados, bem como as impressões que são absorvidas e os laços afetivos que são criados, desse modo, “o cognitivismo, a personalidade, o ambiente social e físico tem uma determinada influência direta no processo de percepção do ambiente” (Melazo, 2005:47).
A percepção ambiental é, destarte, diferente para cada ser humano em determinados aspectos, mas quando se considera o agrupamento de indivíduos com base cultural e experiências semelhantes, possivelmente as trocas de vivências e o modo de vida em um mesmo contexto físico podem significar percepções aproximadas de uma mesma realidade. Por exemplo, os nativos de um lugar percebem uma montanha com significado diferente de um visitante. O pertencer a um lugar traz consigo lembranças, sensações e representações que possibilitam uma construção única de percepção, em relação a outros indivíduos.
A percepção ambiental não deve se limitar apenas às belezas exóticas e únicas. Ela deve envolver uma conscientização mais ampla, abrangendo áreas urbanas, rurais e regiões selvagens, com o objetivo prioritário de promover atitudes éticas e afetivas em relação ao meio ambiente. A partir desse entendimento, a vasta abrangência da percepção ambiental permite seu estudo sob diversas perspectivas e em diferentes contextos (L. Oliveira, 2012).
As percepções, preocupações e atitudes diárias relacionadas aos aspectos ambientais, do mais simples ao mais complexo, são conjuntamente importantes para a formação de um modo de pensar e agir que pode se configurar numa relação mais harmoniosa com o meio ambiente.
Ferreira (2005) contribui afirmando que percepção ambiental é uma construção permanente (particular ou social), daí sua complexidade e dependência para com a realidade, sendo frágil e manipulável. Os conceitos de cultura e meio ambiente se superpõem do mesmo modo que os conceitos ser humano e natureza, sendo uma construção dinâmica e sistêmica.
Contribuindo com esse pensamento, Vasco e Zakrzevski (2010) relatam que os indivíduos percebem, reagem e respondem de forma diferente às ações sobre o ambiente em que vivem, estimulados por percepções individuais e coletivas, por processos cognitivos, julgamentos e expectativas, sofrendo influência também de elementos culturais.
A cultura, os antecedentes socioeconômicos e as aspirações do indivíduo, para Tuan (1980), exercem papel importante no que se refere ao condicionamento da sua percepção e valores ambientais, podendo, à medida que a sociedade e a cultura evoluírem, haver modificação nas suas atitudes. “O meio ambiente natural e a visão de mundo estão estreitamente ligadas: a visão de mundo, se não é derivada de uma cultura estranha, necessariamente é construída dos elementos conspícuos do ambiente social e físico de um povo” (Tuan, 1980:91).
Pode-se dizer que a partir da evolução social e cultural, considerando novas vivências e experiências do indivíduo em sociedade, há possibilidade de haver modificação na sua forma de perceber a natureza, podendo, inclusive, representar mudanças significativas nas suas atitudes para com o meio ambiente.
Há que refletir, nesse contexto, dependendo do modo em que o indivíduo se percebe e percebe o mundo, pode-se ter uma percepção ambiental equivocada a partir, por exemplo, da ideia antropocêntrica do mundo? A natureza estaria a serviço do ser humano? Essa forma em que o indivíduo concebe sua existência, enquanto centro de tudo e como o ser vivo “mais importante” do planeta, coloca-o numa posição de comando, podendo ser algo positivo ou negativo, dependendo, sobretudo, da sua percepção, compreensão e de sua relação com o meio ambiente. Transformar esse modo de perceber a natureza talvez seja o grande desafio na construção de uma nova cultura.
Carneiro (2019) insere a discussão do lugar do ser humano na natureza, ao apresentar a psicologia ecológica. Nesse sentido, aponta que o indivíduo deve ser reconhecido como um ser vivo adaptado a um ecossistema, com uma atuação dinâmica e interativa com as propriedades do econicho, a partir de relações estabelecidas ao longo do tempo e influenciadas pela cultura. Para a autora, “a perspectiva ecológica desloca o olhar do homem como sendo ‘a medida de todas as coisas’ e o posiciona em um status participativo de reciprocidade em um ecossistema animal-ambiente” (Carneiro, 2019:71).
Portanto, incorporar esse sentimento de reciprocidade, conectado a partir de uma percepção ambiental que permita que o indivíduo se reconheça como um ser vivo integrado à natureza, possibilitará que o mesmo ressignifique o seu lugar e, a partir desse entendimento, reavalie e modifique as suas percepções e atitudes ambientais, ocupando o seu lugar e função no ecossistema, mantendo a consciência que é o único com maior capacidade de intervenção, pelo menos de forma consciente, podendo ser utilizada para a construção ou destruição do planeta.
Nesse sentido, a consciência ambiental do ser humano de coexistência num mesmo espaço-tempo, muito mais sentida do que intelectualizada, com toda a biodiversidade do planeta, inclusive com outros seres humanos, fruto de uma percepção ambiental integradora e capaz de compreender o seu verdadeiro lugar nesse ecossistema, pode garantir melhores condições de vida presente e para as gerações futuras.
No entanto, reconhecer a relevância na compreensão da relação ser humano-meio ambiente em busca de caminhos possíveis para que essa relação ocorra de forma mais equilibrada e menos danosa, não significa fortalecer a visão antropocêntrica, mas admitir o seu papel destruidor/construtor da natureza. O modo como o indivíduo se relaciona dependerá da sua compreensão acerca do seu lugar e da sua função nesse ecossistema, definindo, a partir de então, suas ações sobre o ambiente natural.
Vasco e Zakrzevski afirmam que é fundamental a compreensão das inter-relações entre o ser humano e o meio ambiente, a partir das “expectativas, anseios, satisfações e insatisfações, julgamentos e condutas em relação ao espaço onde está inserido” (2010:18) o indivíduo. Esse entendimento, ainda segundo os autores, permite subsidiar a elaboração de estratégias de modo a reduzir os problemas socioambientais, norteando, também, a implementação de programas de educação e comunicação ambientais, garantindo uma maior participação social e envolvimento de distintos atores na gestão ambiental.
As percepções sobre o ambiente, no entendimento dessa pesquisa, são diferentes para cada ser humano, partindo de interpretações e pontos de vista individuais, resultando de questões envolvendo espaço e tempo vivido, a partir das interações socioculturais. As sensações se refletem nas percepções e se estabelecem nas relações de afetividade do indivíduo com o meio. A partir dessas múltiplas determinações, podem ocorrer modificações nos valores atribuídos por cada pessoa.
2 Consumo na agenda ambiental
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ocorrida em 1992 e conhecida como Rio-92, o termo “consumo sustentável” surge como área de pesquisa e ação. Encontra-se expresso no capítulo 4, da Agenda 21, documento produzido durante a referida conferência, onde se apontam os motivos de como as práticas de consumo ambientalmente destrutivas se destacaram como tema importante nas agendas de pesquisa sobre o meio ambiente. Pode-se encontrar esse termo dentre os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, através de seu o 12º objetivo: “Consumo e Produção Responsáveis”, visando garantir padrões de consumo e produção sustentáveis (ONU, 2024)2.
Segundo Portilho (2005), com a Agenda 21, transferiu-se a responsabilidade pela crise ambiental para os estilos de vida e consumo, sobretudo, dos países do Norte. Com isso, passou-se a dar maior enfoque no consumo dentro das discussões do desenvolvimento sustentável, configurando-se novo vetor no discurso dominante, em que se transfere o foco da causa dos problemas ambientais da produção para o consumo. No entanto, a autora chama atenção, ainda, que a incursão dos debates sobre consumo ocorre ainda nos anos de 1970, com a ideia do consumo verde, a partir do estabelecimento de três fatores, que se inter-relacionam: ambientalismo público (1970); a “ambientalização” do setor empresarial (1980); e emergência da importância de estilos de vida e consumo das sociedades afluentes para a crise ambiental (1990). Há, no entanto, que se fazer uma distinção entre consumo sustentável e consumo verde.
O consumo verde representa uma maior conscientização no ato de consumir, levando em consideração a variável ambiental nas decisões de compra, além de qualidade, através da opção por produtos que são percebidos como menos agressores do meio ambiente. Portanto, há responsabilização do indivíduo pela redução dos impactos ambientais, havendo transferência da atividade regulatória do Estado para o mercado (autorregulação) e destes para o cidadão (processos de escolha). A tecnologia seria o mais importante nessa decisão, tendo em vista que suas ações de consumo estimulariam a modernização ecológica das indústrias. Além disso, “a perspectiva do consumo verde deixaria de enfocar aspectos como a redução do consumo, a descartabilidade e a obsolescência planejada, enfatizando a reciclagem, o uso de tecnologias limpas, a redução do desperdício e o incremento de um mercado verde” (Portilho, 2005:4).
Para Murphy e Cohen (2001), no consumo sustentável, exige-se que haja uma redução nas pegadas de recursos por parte dos indivíduos, corporações e nações, objetivando o interesse da proteção ambiental e da integridade ecológica. Esse termo, segundo os autores, foi desenvolvido inicialmente como crítica à economia verde, indo além, ao problematizar a forma como a economia clássica enaltece a demanda do consumidor como motriz do crescimento econômico e da prosperidade. Nesse sentido, o consumo verde é visto de forma mais restrita e o consumo sustentável de forma mais ampla.
No entendimento acerca do consumo sustentável, considera-se que o indivíduo não é o único responsável, através do seu consumo, pelos problemas ambientais. Há maior ênfase nas ações coletivas e nas mudanças políticas e institucionais. Isso poderia ocorrer através da implementação de políticas multilaterais de regulação, tanto do lado da produção quanto do consumo. Portanto, “o meio ambiente deixou de ser relacionado apenas a uma questão de como usamos os recursos (os padrões), para também estar vinculado à preocupação com o quanto usamos (os níveis); portanto, um problema de acesso, distribuição e justiça” (Portilho, 2005:4).
A ampliação dessa visão de responsabilidades sobre a problemática e crise ambiental, com enfoque para o consumo, permite que ações mais consistentes e eficazes sejam implementadas, com elaboração e adoção de políticas ambientais nacionais e internacionais de redução dos impactos ambientais, acompanhadas por órgãos internacionais, através de acordos e tratados entre os países.
De acordo com Anantharaman (2018), há um consenso entre acadêmicos, ativistas e formuladores de políticas que a sustentabilidade não pode ser reduzida a questões como a produção verde ou redução do crescimento populacional. Os aspectos culturais, as instituições e os comportamentos individuais são fundamentais nesse processo. Ainda segundo o autor, há um avanço nas pesquisas sobre consumo sustentável, desconstruindo narrativas sobre a mudança de comportamentos simplistas, que, muitas vezes, normalizavam questões como o racismo, opressão e gênero, passando a evocar questões mais complexas como: poder, economia política, identidade e subjetividade.
O consumidor individualmente, a partir de suas escolhas e comportamento, não é capaz de modificar uma cultura embasada na incessante modernidade capitalista, em que as necessidades são “fantasiosamente” construídas em detrimento da utilização sem medida dos recursos naturais e de elevação da emissão de carbono. A construção de uma nova cultura de consumo sustentável parece ser a melhor trajetória na redução dos impactos ambientais. Essa perspectiva rejeita as interpretações dos problemas ambientais circunscritos nas discussões a respeito de critérios técnicos ou comportamentais em detrimento de aspectos éticos e políticos dos processos de produção e consumo, o que deve contribuir para nortear a construção de uma nova epistemologia ambiental.
Portanto, há que se pensar em ações que contribuam para uma percepção ambiental a qual reflita sobre “o equilíbrio ecológico, a preservação da biodiversidade e a qualidade de vida dos seres humanos–, não apenas como valores intrínsecos ou extraeconômicos, mas como condições fundamentais para a sustentabilidade da própria economia.” (Leff, 2010:20), o que, possivelmente, passa pela educação ambiental crítica.
Percursos metodológicos
As etapas utilizadas para a seleção e análise dos vinte artigos utilizados nesta pesquisa envolveram: pesquisa nas bases de dados, por meio de termos de busca específicos; leitura dos resumos, descartando aqueles fora do objetivo do trabalho; leitura dos artigos na íntegra, analisando a abordagem dedicada à percepção ambiental e ao consumo, além da relação estabelecida entre essas variáveis.
A escolha pela revisão sistemática de literatura objetivou mapear as pesquisas realizadas entre o período de 2012 e 2024 (até fevereiro) que relacionassem a percepção ambiental e o consumo. Esse método se apresenta como mais adequado quando se pretende identificar pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento, não obstante suas abordagens e interpretações, evitando os vieses naturais quando se realizam as escolhas em uma revisão tradicional de literatura.
Segundo Tranfield, Denyer e Smart (2003:207, tradução nossa), ao justificar a utilização da revisão sistemática de literatura, apontam que “as revisões ‘narrativas’ tradicionais frequentemente carecem de rigor e, em muitos casos, não são realizadas como peças genuínas de ciência investigativa. [...] Essas revisões podem ser tendenciosas pelo pesquisador e muitas vezes carecem de rigor”.
Mulrow (1994) acrescenta que a revisão sistemática de literatura é importante para depurar o elevado volume de informações, separando o que não é importante ou que não agregará conteúdo ao estudo, através da exploração crítica, avaliação e síntese.
Desse modo, a metodologia da revisão sistemática de literatura aconselhada por Sampaio e Mancini (2007) aponta como caminho, inicialmente, a elaboração de uma pergunta clara e de estratégias de busca, estabelecendo-se com rigor os critérios de inclusão e exclusão dos artigos, bem como a qualidade dos textos selecionados. Por outro lado, para que a pesquisa seja passível de reprodução, exige-se que a metodologia utilizada seja definida e descrita de forma criteriosa e explícita. Nesse sentido, orientam que se deve “caracterizar cada estudo selecionado, avaliar a qualidade deles, identificar conceitos importantes, comparar as análises estatísticas apresentadas e concluir sobre o que a literatura informa em relação a determinada intervenção”, além disso, indicando a necessidade de novos estudos (Sampaio; Mancini, 2007:83).
Como documento de consulta, para essa pesquisa, optou-se pelos artigos, visto serem os canais para divulgação científica de maior alcance e amplitude e os revisados pelos pares3. Esse critério exclui certas bases, visto suas ferramentas de busca não permitirem filtro por documento, listando livros, relatórios e outros materiais publicados, por vezes, em veículos não científicos. A escolha das bases de consulta se apoiou em condições adicionais, relativas: à qualidade acadêmica, com bases utilizadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na classificação do Qualis4; à abrangência, permitindo a seleção de artigos de múltiplas áreas do conhecimento; à presença de ferramentas de busca que admitissem pesquisa por termos combinados no título, resumo e palavras-chave; à delimitação de período; à distribuição em áreas do conhecimento. Considerando tais aspectos, escolheram-se as seguintes bases de pesquisa: Web of Science (Clarivate Analytics), SciELO Citation Index (Web of Science), Scopus (Elsevier), ScienceDirect (Elsevier), Embase (Elsevier), Directory of Open Access Journais (DOAJ) e Portal de Periódicos da CAPES. Para ter admissão às bases, foi utilizado acesso pela Comunidade Acadêmica Federada (CAFe)5, através da Universidade Regional do Cariri (URCA) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). A pesquisa utilizou o recorte temporal de 2012 a 2024 (até fevereiro), portanto, pouco mais de 12 anos.
Mesmo não sendo objetivo explícito deste estudo, os procedimentos relativos ao recorte da relação percepção ambiental e consumo foram antecedidos pela pesquisa utilizando apenas os termos “percepção ambiental” e “environmental perception”, no título, na intenção de verificar a quantidade de estudos realizados sobre o referido assunto e as áreas de estudo em que as bases enquadravam os artigos.
O resultado total desta busca foi de 1.008 artigos, utilizando as mesmas bases de consultas propostas nesta pesquisa. Considerando apenas as bases que revelam a quantidade de artigos por área de estudo, observou-se que a maior concentração de artigos ocorreu nas seguintes áreas: ciência da computação, tecnologia e engenharias em geral (253 artigos); ciência ambiental e da natureza, biológica, da saúde e agrária (251 artigos); e ciências sociais e humanas (123 artigos). Portanto, a percepção ambiental é um tema amplamente estudado nas ciências da computação, tecnologia e engenharias em geral, e também nos estudos das ciências ambiental e da natureza, biológica, da saúde e agrária. Apesar de a literatura apontar a compreensão da percepção ambiental circunscrita nos aspectos sociais, culturais e históricos, é relativamente menor a participação das ciências sociais e humanas no universo dessas pesquisas.
No que concerne ao recorte da pesquisa, para que a busca se apresentasse mais precisa, optou-se por inserir a palavra-chave percepção ambiental, entre aspas e apenas no título. Esse critério demonstrou ser mais eficaz, tendo em vista a quantidade de artigos que se identificava quando se ampliava a pesquisa para abranger também o resumo e as palavras-chave, mas que pouco ou quase nada se referiam à “percepção ambiental”.
Relativo às palavras-chave, tem-se convencionado, nos periódicos, de maneira geral, que estas não se restrinjam a uma repetição das palavras sugeridas pelo título, de forma a aumentar um possível alcance destes artigos nos sites de busca. Esse recurso tem ampliado a quantidade de trabalhos associados às problemáticas, muitas vezes, descartados quando do processo de leitura ampla.
Na busca, foi inserido também o termo “consum*”, de modo a buscar as derivações de consumo, ou especificando “consumo” e “consumidor”, dependendo da base que se pesquisava, podendo esses termos estarem presentes no título, resumo ou palavras-chave do artigo, de forma adicional, ou seja, no artigo deveriam constar pelo menos dois termos de busca (percepção ambiental/consumo ou percepção ambiental/consumidor), nas condições descritas.
Os termos de busca estão descritos no Quadro 1, sendo diferentes em algumas bases devido à limitação da ferramenta de busca, ou seja, nem todas aceitavam o uso do asterisco, que é utilizado para encontrar as derivações de um determinado termo. A aplicação das aspas em percepção ambiental objetivou identificar de forma precisa os artigos que trouxessem a combinação de ambas as palavras, portanto, o termo completo. Além disso, utilizaram-se as palavras de busca nas línguas “inglês” e “português”. Com isso, foram identificados 130 artigos que, quando a ferramenta de filtro da base permitia, selecionaram-se apenas os artigos “revisados por pares”.
Quadro 1 - Termos de busca e quantidade de artigos por base de dados, no período de 2012 a 2024 (até fevereiro)
BASES DE DADOS |
TERMOS DE BUSCA/PALAVRAS-CHAVE (1) |
QUANT. |
Web of Science (Clarivate Analytics) |
“environmental perception” AND consum* “percepção ambiental” AND consum* |
10 |
SciELO Citation Index (Web of Science) |
“environmental perception” AND consum* “percepção ambiental” AND consum* |
2 |
Scopus (Elsevier) |
“environmental perception” AND consum* “percepção ambiental” AND consum* |
15 |
SCIENCEDIRECT (Elsevier) |
“environmental perception” consumption “environmental perception” consumer “percepção ambiental” consumo “percepção ambiental” consumidor |
15 |
EMBASE (Elsevier) |
“environmental perception” AND consum* “percepção ambiental” AND consum* |
2 |
DOAJ |
“environmental perception” consumption “environmental perception” consumer “percepção ambiental” consumo “percepção ambiental” consumidor |
10 |
Portal de periódicos Capes |
“environmental perception” AND consum* “percepção ambiental” AND consum* |
76 |
TOTAL |
130 |
Fonte: elaborado pelos autores (2024).
Nota 1: O uso das aspas delimita o termo de busca e o uso do asterisco amplia o termo para palavras derivadas, mas nem toda base aceita esses recursos.
Nota 2: As buscas foram realizadas até março de 2024.
A partir dos termos/palavras-chave do Quadro 1, o resultado da leitura dos resumos resultou na redução para vinte artigos. Esse elevado corte se deu devido aos seguintes fatores utilizados como critérios de exclusão: 1) como o termo “consumo” poderia estar presente no título, no resumo ou nas palavras-chave, nem sempre era identificada, na leitura do resumo, a relação entre percepção ambiental e consumo, objeto dessa revisão, ou, ainda, o consumo não era utilizado de fato na pesquisa; 2) A percepção ambiental é também um tema estudado nas engenharias, na ciência da computação e na tecnologia/inovação, porém não se configurando numa abordagem da percepção ambiental relacionada ao indivíduo, à sociedade ou ao meio ambiente, mas a robôs, carros autômatos, máquinas em geral, dentre outros; 3) sobreposição de artigos em diferentes bases.
Para realização da análise, verificou-se como foram abordados a percepção ambiental, o consumo e, por último, a relação entre percepção ambiental e consumo. Ademais, outros aspectos foram identificados, como: país de origem, tipo de pesquisa, área de concentração e método da análise de dados.
Apresentação e análise dos resultados
A análise dos artigos se iniciou por dados que pudessem revelar informações quantitativas das pesquisas que relacionavam a percepção ambiental e o consumo, sobretudo, em relação à distribuição no tempo, considerando o intervalo de 2012 a 2024 (até fevereiro), e entre os países. Outros aspectos que pudessem revelar o direcionamento dos estudos também foram considerados, mas foram definidos apenas a partir da leitura dos artigos, tais como: ano de publicação, país de origem, áreas de concentração, tipo de pesquisa e método da análise de dados.
Na distribuição anual e por países, observou-se que, dos vinte artigos selecionados, houve maior concentração dos estudos entre 2018 e 2022, representando 70% do total de artigos. Relativo à origem dos artigos, revela-se que o Brasil possui a maior quantidade deles (doze), seguido por China (dois), Estados Unidos (dois), Taiwan (um), Argentina (um), Coreia do Sul (um) e Turquia (um). Portanto, evidencia-se que há um crescimento dos estudos em período mais recente e maior concentração no Brasil.
Concernente às áreas de concentração destes estudos, devido à combinação escolhida trazer uma agente de pesquisa que é campo de estudo das ciências sociais aplicadas, no caso, o consumo, já se percebe maior equilíbrio quando comparada à busca inicial geral de artigos cuja centralidade foi a percepção ambiental, inferida de maneira isolada, sem combinações com problemáticas mais específicas. Destarte, os artigos selecionados distribuíram-se entre: 10 artigos em ciências ambientais; sete artigos em ciências sociais aplicadas, alguns destes com interface na engenharia de produção; dois artigos nas ciências sociais e um artigo em ciências da saúde.
As pesquisas foram realizadas na sua maioria (90%) utilizando dados primários, através de pesquisas de campo. O método de análise de dados mais utilizado foi o quantitativo (dez artigos), seguido pelo quali-quantitativo (seis) e o qualitativo (quatro). Dentre os artigos que utilizaram de alguma forma o método quantitativo, oito fizeram uso da estatística descritiva, cinco utilizaram índices sintéticos e três se valeram da econometria.
É interessante destacar que, dos artigos selecionados, em oito (40%), as pesquisas são realizadas em instituições de ensino, sendo: sete no ensino superior, nos trabalhos de Beckmann e Dutra (2021), Silva e Thiago (2020), Olfert et al. (2020), Fang (2019), Silva et al. (2019), Braga et al. (2018) e Rossoni et al. (2012); e uma no ensino básico, em França et al. (2020).
Para atingir o objetivo deste estudo, que é analisar as publicações acadêmicas em periódicos, no intuito de identificar as pesquisas já realizadas que relacionam a percepção ambiental e o consumo, optou-se em fazer três tipos de análises: 1) como o artigo abordava a percepção ambiental, buscando identificar caminhos de pesquisa para essa área; 2) como o consumo era tratado nos estudos ambientais, identificando se ocorria numa perspectiva mais ampla ou restrita; 3) qual a relação construída entre a percepção ambiental e o consumo.
Considerando apenas a abordagem da percepção ambiental, identificaram-se dois blocos principais de artigos, nos quais dezoito trabalhos puderam se enquadrar (Quadro 2). Os demais artigos foram analisados individualmente, pois não havia aproximações com os blocos definidos.
Quadro 2 - Classificação dos artigos a partir da abordagem da percepção ambiental
Artigos (autores) |
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Consciência e atitudes ambientais |
Beckmann e Dutra (2021) |
Pinheiro et al. (2020) |
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Silva e Thiago (2020) |
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Fang (2019) |
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Akten e Akyol (2018) |
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Zhao et al. (2018) |
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Aguiar, Ribeiro e Nascimento (2018) |
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Yang e Han (2014) |
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Rossoni et al. (2012) |
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Relacionada ao produto |
Sales e Guida-Johnson (2018) |
Chacon, Lavoine e Venditti (2022) |
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Wan, Chen e Toppinen (2015) |
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Silva et al. (2019) |
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Tomasetto e Brandalise (2018) |
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Silva et al. (2017) |
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Seramim e Brandalise (2016) |
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Relação com elemento da natureza |
Dictoro e Hanai (2016) |
Ambiente social |
Olfert et al. (2020) |
Fonte: elaborado pelos autores (2024).
O primeiro bloco foi classificado como artigos que abordam a percepção ambiental a partir da consciência e atitudes ambientais. Dentro desta proposta de estudo, o termo percepção ambiental foi utilizado no sentido amplo de uma tomada de consciência do ambiente pelo indivíduo, sendo tratado em conjunto com possíveis atitudes. Nesse sentido, esses estudos buscavam identificar padrões de percepção que remetessem à utilização mais eficiente de recursos e redução de danos ambientais.
Portanto, a forma de perceber e reagir às situações cotidianas evidencia como a percepção ambiental pode influenciar no comportamento das pessoas no que se refere às questões ambientais, encontrada em Beckmann e Dutra (2021), Silva e Thiago (2020), Pinheiro et al. (2020), Fang (2019), Akten e Akyol (2018), Aguiar, Ribeiro e Nascimento (2018), Braga et al. (2018), Yang e Han (2014) e Rossoni et al. (2012); ou ainda, como se percebe o ambiente em que o indivíduo está inserido, a partir da disseminação de novos valores no intuito de cuidar melhor dele (França et al., 2020; Silva e Thiago, 2020; Zhao et al., 2018). É válido ressaltar que os artigos de França et al. (2020), Braga et al. (2018) e Rossoni et al. (2012) inseriram a educação ambiental no contexto da percepção ambiental.
Esse modo de perceber e interagir com o meio ambiente está em consonância com os estudos da percepção ambiental sob o ponto de vista da geografia humanista, em que o ser humano está inserido e integrado num espaço, não sendo possível sua dissociação, portanto, na perspectiva da fenomenologia. Nesse sentido, a sua consciência sobre o meio é fator importante para determinar seu comportamento ambiental (em favor ou contra) (Malanski, 2014).
Na segunda classificação, encontram-se os artigos que relacionaram a percepção ambiental a um determinado produto, tais como: embalagem feita com papel reciclado (Chacon; Lavoine; Venditti, 2022), hortaliças (Sales; Guida-Johnson, 2018), refeição de restaurante universitário (Tomasetto; Brandalise, 2018), bandeira (Silva et al., 2019), painel fotovoltaico (Silva et al., 2017), erva-mate (Seramim; Brandalise, 2016) e móveis infantis ecológicos (Wan; Chen; Toppinen, 2015).
De modo geral, os artigos buscavam identificar a percepção que os consumidores tinham acerca da produção do bem, seja em relação ao processo produtivo ou acerca do tipo de material utilizado na sua composição ou produção. No caso dos artigos que abordavam a percepção a partir do processo produtivo de um determinado bem, é relevante destacar quatro destes, por reproduzirem metodologia de análise desenvolvida em Brandalise (2006): Silva et al. (2019), Tomasetto e Brandalise (2018), Silva et al. (2017) e Seramim e Brandalise (2016).
Em sua tese de doutorado, Brandalise (2006) desenvolveu um modelo para dar suporte à gestão organizacional, tendo por base o comportamento do consumidor a partir da sua percepção da variável ambiental nas etapas da Análise do Ciclo de Vida (ACV) dos produtos. Portanto, foi concebido o modelo VAPERCOM
(VA=Variável Ambiental, PER=Percepção
e COM=Comportamento de compra).
Apesar de buscarem identificar algumas atitudes ambientais na percepção ambiental, o maior foco dos trabalhos consistiu nesta percepção a partir das etapas da ACV.
Entre os artigos que abordavam o processo produtivo, estava o de móveis infantis ecológicos (Wan; Chen; Toppinen, 2015), em que a percepção dos consumidores foi vista a partir da identificação dos principais atributos destes produtos, como também, buscou-se identificar se a escolha de produtos ecologicamente corretos está intimamente ligada ao estilo de vida de saúde e sustentabilidade dos consumidores.
A percepção ambiental relacionada ao tipo de material utilizado na composição ou na produção de um bem, abordagem encontrada também no artigo sobre móveis infantis ecológicos, foi verificada na produção de hortaliças, com foco maior na percepção da qualidade da água por parte dos moradores das terras irrigadas de Mendoza, na Argentina (Sales; Guida-Johnson, 2018). O outro artigo nessa classificação (embalagem feita com material reciclado) propunha a elaboração de papel, a ser utilizado na produção de embalagens, que pudesse ser identificado facilmente pelos consumidores como reciclado (Chacon; Lavoine; Venditti, 2022), facilitando a escolha de produto com atributos ambientais.
O modo de perceber o produto, nesse bloco de artigos, denota semelhança com os aspectos descritos por Gibson (1977), quando utiliza o termo affordances. Para o autor, o indivíduo é capaz de identificar intuitivamente as funcionalidades de um objeto a partir de suas características. Portanto, os artigos que tratam a percepção ambiental a partir do processo produtivo e dos materiais utilizados sugerem, mesmo que analogamente, que o indivíduo pode identificar características do produto que o classifique como ambientalmente correto (ou não).
As demais classificações da percepção ambiental, conforme Quadro 2, foram: a) relação com elemento da natureza, que apresentava a percepção ambiental a partir da relação “homem-água”, sobretudo em relação à Cachoeira de Emas – SP, bacia hidrográfica do rio Mogi-Guaçu (Dictoro; Hanai, 2016); b) ambiente social, a percepção ambiental estando relacionada à identificação, por parte dos pesquisados, de estilos de vida saudáveis e da existência de ambiente universitário que favoreça esse tipo de comportamento, ou seja, se o ambiente é obesogênico ou não (Olfert et al., 2020).
Quase a totalidade dos artigos selecionados, a percepção apresenta uma abordagem mais voltada para consciência e atitude ambiental ou está relacionada a um produto específico. Portanto, de forma bastante restrita, deixando de tratar da percepção de uma forma mais sistêmica, como lembra L. Oliveira, a percepção ambiental “trata-se, no fundo, de visão de mundo, de visão de meio ambiente físico, natural e humanizado, na maioria é sociocultural e parcialmente é individual” (2012:61).
O enquadramento dos artigos, na segunda fase de análise, foi realizado a partir de como o consumo fora abordado. Desse modo, foram criadas três categorias, definidas a partir da leitura dos artigos: consumo de produto específico, consumo em geral e consumo a partir do estilo de vida (Quadro 3).
Quadro 3 - Classificação dos artigos a partir da abordagem do consumo
Abordagem do consumo |
Artigos (autores) |
Consumo de produto específico |
Chacon, Lavoine e Venditti (2022) |
Silva et al. (2019) |
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Tomasetto e Brandalise (2018) |
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Zhao et al. (2018) |
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Sales e Guida-Johnson (2018) |
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Silva et al. (2017) |
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Dictoro e Hanai (2016) |
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Seramim e Brandalise (2016) |
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Wan, Chen e Toppinen (2015) |
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Consumo em geral |
Beckmann e Dutra (2021) |
Pinheiro et al. (2020) |
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França et al. (2020) |
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Silva e Thiago (2020) |
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Akten e Akyol (2018) |
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Braga et al. (2018) |
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Aguiar, Ribeiro e Nascimento (2018) |
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Yang e Han (2014) |
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Rossoni et al. (2012) |
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Consumo a partir de estilo de vida |
Olfert et al. (2020) |
Fang (2019) |
Fonte: elaborado pelos autores (2024).
Na classificação em “consumo de produto específico”, os artigos apresentavam pormenorizações do produto que faria parte do estudo, mesmo que, em determinados casos, outros aspectos do consumo também fossem considerados, como em Silva et al. (2019), Tomasetto e Brandalise (2018), Silva et al. (2017) e Seramim e Brandalise (2016). No entanto, o foco central destes artigos estava em identificar se o consumidor, dentre outros aspectos, percebia o impacto ambiental causado pela fabricação do produto (alimentos do restaurante universitário, bandeira, painel fotovoltaico e erva-mate). Dois artigos trataram do consumo da água, em Sales e Guida-Johnson (2018) e Dictoro e Hanai (2016), sendo que esse último considerou a água não apenas pelo atributo da utilidade e consumo, mas também a partir da sua representação simbólica. A pesquisa de Zhao et al. (2018) relacionou aspectos do entrevistado ao uso de bicicleta e carro, objetivando projetar o futuro da mobilidade em Pequim.
A percepção dos atributos ecológicos do produto por parte do consumidor foi apresentada no artigo de Wan, Chen e Toppinen (2015), quando se estudaram os móveis infantis. Já no trabalho de Chacon, Lavoine e Venditti (2022), a ideia era contribuir para a identificação com mais facilidade, por parte dos consumidores, dos atributos ecológicos das embalagens produzidas a partir de papel reciclado.
Esses artigos sugerem que o estudo acerca de um produto pode orientar a empresa a adotar ou não práticas ambientais, dependendo do tipo de comportamento do seu consumidor. Isso denota ações que podem ser enquadradas através do consumo verde, tendo em vista o estudo ser limitado ao enfoque de atributos da produção e do consumo. Como pode ser visto em Portilho (2005), o consumo verde leva em consideração a variável ambiental nas decisões de compra, além do preço e da qualidade, representando uma maior conscientização no ato de consumir.
Os artigos que abordaram o consumo numa perspectiva mais geral, buscaram identificar padrões de comportamento que remetessem ao consumo mais racional, de modo a reduzir o impacto ambiental, aspecto comum nos artigos de: Beckmann e Dutra, (2021); França et al. (2020); Silva e Thiago (2020); Akten e Akyol (2018); Braga et al. (2018); Aguiar, Ribeiro e Nascimento (2018); e Rossoni et al. (2012). Outras pesquisas que estão nessa classificação podem ser destacadas: em Akten e Akyol (2018), as pegadas de carbono dos pesquisados foram calculadas com base em seus dados de consumo; o comportamento ético do consumidor, sob o ponto de vista ambiental, é visto em Yang e Han (2014); no artigo de Pinheiro et al. (2020), o consumo geral e suas associações ambientais são relevantes, mas ressalta-se, especialmente, aspectos do consumo de produtos orgânicos. Seguindo, portanto, comportamento também alinhado ao consumo verde.
Dois artigos (Olfert et al., 2020; Fang, 2019) foram classificados como “consumo a partir de estilo de vida”, apresentando estudo sobre os vegetarianos. O intuito desses trabalhos era identificar a relação entre o consumo de produtos vegetarianos e as percepções e atitudes ambientais. Vale destacar que em ambos os trabalhos, o público pesquisado foi de estudantes universitários. No trabalho de Olfert et al. (2020), a proposta se expande para questões voltadas à saúde dos entrevistados e a existência ou não de um ambiente propício ao consumo e estilo de vida que favoreça atitudes obesogênicas.
O consumo orientado pelo estilo de vida, segundo Boström, Micheletti e Oosterveer, (2018), é uma das três formas do consumo político e corresponde a evolução para um maior compromisso geral, em que a forma como o indivíduo vive e se comporta está em sintonia com seus hábitos de consumo. Identificando essa relação, as atitudes pró-ambientais desse grupo de indivíduos são mais conscientes, podendo ser mais duradouras.
A terceira e última classificação de análise tratou das relações entre percepção ambiental e consumo, no intuito de identificar como as pesquisas construíam esse vínculo, decorrendo cinco grupos (vide Quadro 4): a) percepção ambiental do que se consome (sete artigos); b) consumo como uma das dimensões da percepção ambiental (sete artigos); c) relação causal entre a percepção ambiental e consumo (quatro artigos); d) medição da percepção ambiental de um grupo de consumidores (um artigo); e) percepção ambiental de um elemento da natureza e o consumo advindo desse elemento (um artigo).
Quadro 4 - Classificação dos artigos a partir da relação percepção ambiental e consumo
Abordagem da relação percepção ambiental e consumo |
Artigos (autores) |
Percepção ambiental do que se consome |
Chacon, Lavoine e Venditti (2022) |
Silva et al. (2019) |
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Sales, Guida-Johnson (2018) |
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Tomasetto e Brandalise (2018) |
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Silva et al. (2017) |
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Seramim e Brandalise (2016) |
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Wan, Chen e Toppinen (2015) |
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Consumo como uma das dimensões da percepção ambiental |
Beckmann e Dutra (2021) |
França et al. (2020) |
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Silva e Thiago (2020) |
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Akten e Akyol (2018) |
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Braga et al. (2018) |
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Aguiar, Ribeiro e Nascimento (2018) |
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Rossoni et al. (2012) |
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Relação causal entre percepção ambiental e consumo |
Olfert et al. (2020) |
Fang (2019) |
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Zhao et al. (2018) |
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Yang e Han (2014) |
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Medição da percepção ambiental de um grupo de consumidores |
Pinheiro et al. (2020) |
Percepção ambiental de um elemento da natureza e o consumo advindo desse elemento |
Dictoro e Hanai (2016) |
Fonte: elaborado pelos autores (2024).
No primeiro bloco, as pesquisas consistiam em identificar, como foco central, a percepção ambiental dos consumidores em relação a determinado produto, seja relativo ao tipo de material utilizado (Chacon; Lavoine; Venditti, 2022) ou qualidade da água (Sales & Guida-Johnson, 2018) ou, ainda, aos atributos de móveis ecologicamente corretos (Wan; Chen; Toppinen, 2015). Os demais artigos (Silva et al., 2019; Tomasetto; Brandalise, 2018; Silva et al., 2017; Seramim; Brandalise, 2016) fazem parte de uma mesma metodologia (VAPERCON) e investigam a percepção dos consumidores em relação à Análise do Ciclo de Vida (ACV) de determinados produtos, considerando desde a origem dos materiais utilizados na fabricação (inputs) até o destino pós-utilização dos produtos (outputs).
Para a segunda classificação, os artigos inseriram o consumo como uma das dimensões da percepção ambiental. Nos artigos de Beckmann e Dutra (2021), Akten e Akyol (2018) e Braga et al. (2018), o consumo apareceu com maior ênfase, por considerar que a ideia de como o pesquisado se comporta em relação ao consumo pode ser uma das características que define sua percepção ambiental. Destaca-se o artigo de Akten e Akyol (2018), por revelar que a pegada de carbono está fortemente associada às formas de consumo, percepções e atitudes da sociedade. Além disso, por concluir que o déficit ecológico emergente, fruto das perspectivas do indivíduo sobre o ambiente natural e seus hábitos de consumo, está aumentando com o passar do tempo. Na relação consumo e percepção ambiental, sob a perspectiva desse grupo de classificação, nos artigos de França et al. (2020), Silva e Thiago (2020), Aguiar, Ribeiro e Nascimento (2018) e Rossoni et al. (2012), o consumo é tratado de forma mais indireta e/ou superficial.
A relação causal entre a percepção ambiental e consumo é encontrada no terceiro maior bloco de artigos, num total de quatro. Nos trabalhos de Olfert et al. (2020) e Fang (2019), procura-se relacionar a percepção ambiental ao consumo vegetariano de estudantes universitários, em que o primeiro deles tenta identificar se há diferenças de percepção entre estudantes vegetarianos e não vegetarianos de oito universidades dos Estados Unidos e, o segundo, utiliza a percepção ambiental como variável independente, subdividida entre percepção humanística e percepção ecológica, utilizando Structural Equation Modeling (SEM) e análise através do método dos mínimos quadrados parciais, tendo o consumo vegetariano como variável dependente.
Em Zhao et al. (2018), investiga-se como os entrevistados percebem o ambiente do ciclismo, verificando se há interferência sobre o uso de bicicleta ou de carro, utilizando o Modelo de Regressão Logística Multinomial. Portanto, o objetivo deste artigo foi identificar e compreender os fatores que influenciam as atitudes em relação ao futuro do ciclismo e compra de carros em Pequim.
A pesquisa aponta a importância de aspectos psicológicos do ambiente nas tomadas de decisão ambiental. Na pesquisa de Yang e Han (2014), a percepção ambiental do consumidor é o grau em que esses indivíduos em geral costumam pensar sobre o meio ambiente e o grau em que reconhecem a gravidade das questões ambientais e pensam sobre o meio ambiente, podendo afetar a sua decisão de consumo, foi utilizada, para isso, a Análise de Regressão Múltipla e a Análise de Regressão Mediada em três etapas.
Há ainda duas classificações individualizadas, “Medição da percepção ambiental de um grupo de consumidores” e “Percepção ambiental de um elemento da natureza e o consumo advindo desse elemento”, com artigos de Pinheiro et al. (2020) e Dictoro e Hanai (2016), respectivamente. No primeiro artigo, é proposto um índice sintético de percepção ambiental, composto por índices de três dimensões: percepção geral e costumes sociais relativos ao ambiente; percepção relativa ao consumo habitual; percepção relativa ao consumo de alimentos orgânicos. Essa pesquisa é realizada em um grupo de consumidores, no intuito de identificar se a opção por produtos orgânicos parte do índice de percepção ambiental, sendo comprovado no estudo.
Essas abordagens da relação entre percepção ambiental e consumo está em consonância com Melazo quando diz que “as reflexões e análises a respeito das relações decorrentes entre o homem e as cidades e o meio natural podem promover a sensibilização e uma melhor compreensão do meio ambiente, do espaço e suas respectivas relações cotidianas” (2005:45). Portanto, a percepção ambiental pode influenciar, através de ações habituais, as atitudes das pessoas em relação ao meio ambiente
No último artigo (Dictoro; Hanai, 2016), a relação percepção ambiental e consumo ocorre a partir do ponto de vista do vínculo que uma comunidade ribeirinha (Cachoeira de Emas-SP, localizado às margens do Rio Mogi-Guaçu) possui com o rio, tanto no aspecto utilitarista quanto simbólico, identificando a percepção ambiental dos entrevistados sobre a conservação da água e os impactos ambientais que já repercutiram sobre o rio. Indicando uma abordagem mais próxima da topofilia, descrita em Tuan (1980), que consiste nas relações afetivas e de cuidado que são estabelecidas com o meio ambiente.
Nas análises realizadas, pode-se perceber que na maioria dos estudos, a partir da perspectiva da relação percepção ambiental e consumo, o enfoque está no produto – quando a pesquisa é realizada a partir do que se consome, e o consumo representa uma das dimensões da percepção, havendo poucos artigos em que o consumo é indicado como resultado da percepção ambiental.
Considerações Finais
Este estudo partiu do entendimento acerca da importância da relação entre a conservação ambiental e a percepção que a população apresenta dos aspectos relacionados ao meio ambiente, relação já apontada pela UNESCO, em 1973. Relativo ao consumo, apesar do questionamento sobre os estilos do modelo de desenvolvimento no contexto da crise ambiental, nos anos 1970, este ganha destaque, dentro dos estudos ambientais, especialmente a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92), sendo o 12º entre os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”.
Para investigar como a relação entre percepção ambiental e consumo tem sido construída na literatura científica, optou-se por fazer uma revisão sistemática de literatura, para garantir que o resgate epistemológico não estivesse contaminado pela racionalidade ou simplificação que a disciplinaridade geralmente tende a conferir. Adicionalmente, a busca ampla, multidisciplinar pressupõe o reconhecimento de que o conhecimento científico, especialmente ao envolver relações sociedade-natureza, deve ser entendido na sua complexidade, complementariedade e até mesmo em seus distanciamentos ou antagonismos. Assim, buscaram-se pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento, para que os vieses naturais da revisão tradicional de literatura fossem evitados. O resultado da seleção apontou para vinte artigos que faziam uso dessa relação.
As pesquisas, na sua maioria, foram realizadas com dados primários (90%) e utilizaram para análise o método quantitativo (50%), sobretudo, com a utilização da estatística descritiva. Na análise de conteúdo dos trabalhos escolhidos, pode-se dizer que os artigos analisados apontaram para maior concentração em anos mais recentes (a partir de 2018), considerando o período de estudo, e no Brasil.
A percepção ambiental é abordada, sobretudo, a partir da consciência e atitudes ambientais ou sob o ponto de vista da percepção de um produto específico. Em relação ao consumo, os estudos se dividem, na sua maioria, com a abordagem a partir do consumo de um produto específico e do ponto de vista do consumo geral. Quando se busca relacionar as duas variáveis, há predominância da percepção ambiental a partir do que se consome e do consumo como dimensão da percepção.
O resgate do contributo teórico sobre a percepção ambiental tem apontado que esta tem feito parte do reconhecimento dos saberes ambientais que consideram a intervenção humana na sociedade, na natureza e na subjetividade, sendo produto e ao mesmo tempo, determinante dessas relações. Todavia, a maioria dos artigos abordou consciência e atitudes ambientais de maneira ainda restrita, sobretudo quando se limitaram ao estudo da percepção sobre um produto específico, ao passo em que praticamente se distanciavam ou ignoravam o modo de construção social dos problemas ambientais. E, no caso da percepção ambiental, as interações sociais, culturais, históricas ou mesmo subjetivas, como de afeto e cuidado, mostraram-se pouco exploradas nos estudos analisados.
A percepção ambiental do indivíduo deve, pois, refletir suas ações no macrossistema social, por retratar sua visão de mundo e do meio ambiente físico, sendo, na maioria, sociocultural. O exame da relação percepção ambiental versus consumo assinala uma convergência para recortes daquilo que se consome. Portanto, limitar o estudo a produtos específicos sugere interesse mais inclinados a possíveis orientações de gestão empresarial.
Há que se destacar a quantidade de pesquisas realizadas em ambientes de ensino, com destaque para as universidades. Possivelmente, nesses ambientes, tendo em vista a maior escolaridade dos pesquisados, podem ser encontrados melhores resultados de percepção ambiental, revelando certa aproximação com a abordagem intelectualista da percepção, ao passo em que têm sido pouco explorados os aspectos relacionados à construção sociocultural da percepção. Segundo Merleau-Ponty (2004), as coisas existem, mesmo que não se tenha consciência e a percepção ocorre independente da construção intelectual que se pode fazer sobre algo.
Esse resultado revela a necessidade de se ampliar os estudos, partindo de uma abordagem mais ampla, tanto no que se refere à percepção ambiental quanto ao consumo, por existir uma perspectiva ainda a ser explorada e, possivelmente, revelando, com mais consistência, a relação entre essas duas variáveis. Espera-se que abordagens mais sistêmicas contribuam para uma nova práxis social, permitindo fornecer elementos para: o entendimento de padrões sociais estabelecidos, suas determinações e reflexos em condutas individuais e coletivas; a formação de uma consciência crítica, por parte da sociedade, pautada por uma nova ética ambiental; a construção de estratégias de políticas públicas que efetivamente assumam seus condicionamentos sociais, incluindo a maior proteção ambiental e reduzindo assimetrias e injustiças ambientais, tendo a percepção ambiental como vetor de transformação.
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1 Como marco relevante nas pesquisas sobre percepção ambiental, destaca-se o trabalho desenvolvido por Whyte (1977) para UNESCO, intitulado “Guidelines for field studies in environmental perception”. Derivado do grupo Man and Biosphere – 13 (MAB), esse guia objetiva orientar as pesquisas sobre percepção ambiental, a partir da reunião de métodos e técnicas que foram desenvolvidos em disciplinas e em contextos culturais diferentes, portanto, unificando tais técnicas para que fosse possível a condução das pesquisas de modo mais uniforme, podendo ser utilizados em mais de um contexto cultural.
2 A possibilidade de intensificação das tensões societárias indica a necessidade de uma abordagem que equilibre os interesses entre a proteção ambiental e o crescimento econômico. Este equilíbrio ganhará destaque permanente nas discussões sobre “ecodesenvolvimento,” conceito introduzido por Maurice Strong e sistematizado por Sachs na década de 1980, culminando na proposição do conceito de desenvolvimento sustentável. Essa proposta é detalhada no Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum) da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), como “aquele capaz de satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem às suas próprias” (CMMDA, 1988:46).
3 Artigos que passam pela avaliação de pareceristas especializados.
4 “[...] qualificação indireta da produção intelectual na forma de artigos científicos a partir da análise da qualidade dos veículos de divulgação, ou seja, os periódicos. Como resultado, disponibiliza uma lista com a classificação dos veículos utilizados pelos programas de pós-graduação para a divulgação da sua produção” (CAPES, 2023:1).
5 Conteúdo assinado com editoras científicas e disponibilizado pelo Portal de Periódicos CAPES, disponível para as instituições assinantes.