Volumen 33 No. 4 (octubre-diciembre) 2024, pp. 254-271

ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44

DOI: 10.5281/zenodo.13887690

Pânico Satânico e o caso do “Baralho do diabo”: O nascimento da cruzada moral contra os jogos no Brasil1

Giovane Matheus Camargo*, Pablo Ornelas Rosa** y Aknaton Toczek Souza***

Resumo

No início da década de 2000, popularizaram-se no Brasil discursos que acusavam jogos, filmes, músicas e outras mercadorias da indústria do entretenimento de promoverem degeneração cultural e manipulação política de jovens. Essas declarações argumentavam que determinados produtos, subliminarmente ou explicitamente, corrompiam a juventude, conduzindo-a ao satanismo e ao comunismo, na medida em que promoviam a homossexualidade e influenciavam condutas violentas, que acabaram servindo de justificativa para a produção de cruzadas morais que visavam sua criminalização. O presente artigo tem por objetivo investigar empiricamente alguns dos efeitos práticos da versão brasileira do pânico satânico – uma espécie de pânico moral - criado para os jogos. Para tanto, foram analisadas algumas das memórias sobre uma série de matérias exibidas no ano de 2003 no programa “Boa noite Brasil” da TV Bandeirantes em que card games e jogos de RPG foram associados ao satanismo. Os relatos foram coletados a partir de comentários proferidos por usuários que possuem perfis em plataformas online como o Reddit, Youtube e Discord e demonstram as consequências práticas do uso político do medo, sobretudo, por meio das mídias digitais

Palavras-chave: Jogos; cruzada moral; satanic panic; controle social

*Universidade Vila Velha. Espirito Santo, Brasil

ORCID: 0000-0002-7850-2479, Email: giovanemcamargo@gmail.com

**Universidade Vila Velha. Espirito Santo, Brasil

ORCID: 0000-0002-9075-3895, E.mail: pablorosa13@gmail.com

***Universidade Vila Velha. Espirito Santo, Brasil

ORCID: 0000-0002-6946-6242, E-mail: aknatontoczek@gmail.com

Recibido:05/06/2024 Aceptado: 12/09/2024

Satanic Panic and the case of the “Devil’s deck”: The birth of the moral crusade against the games in Brazil

Abstract

In the early 2000s, speeches that accused games, movies, music and other goods of the entertainment industry of promoting cultural degeneration and political manipulation of young people became popular in Brazil. These statements argued that certain products, subliminally or explicitly, corrupt the youth, leading them to Satanism and communism, in so far as they promoted homosexuality and influenced violent behavior, that ended up serving as justification for the production of moral crusades aimed at their criminalization. This article aims to empirically investigate some of the practical effects of the Brazilian version of satanic panic - a kind of moral panic - created for games. For this, some of the memories about a series of articles shown in 2003 on the program “Boa noite Brasil” of TV Bandeirantes were analyzed in which card games and RPG games were associated with satanism. The reports were collected from comments made by users who have profiles on online platforms such as Reddit, Youtube and Discord and demonstrate the practical consequences of political use of fear, especially through digital media.

Keywords: Games; moral crusade; Satanic Panic; social control

Introdução

O presente artigo tem por objetivo analisar o modo como o campo gamer é utilizado na disseminação de valores e ideias conservadoras e de extrema direita em geral. Isso ocorre, segundo Stefanoni, porque “os gamers geralmente consideram que os escritores que fazem análises críticas deles são social justice warriors, e os atacam” (2022, 65). Segundo o autor, isso aconteceria porque tanto a extrema direita quanto uma parte significativa desses sujeitos que atuam como gamers, coadunam os seus interesses que envolvem a defesa veemente do laisser faire, assim como uma rejeição plena do Estado. Desse modo, “qualquer ideia de justiça social tem como pré-condição o Estado, a arrecadação de impostos e a redistribuição da riqueza” (2022, 81), princípios que são constantemente combatidos pela extrema direita.

Ao traçar uma breve história dos jogos eletrônicos, tratando especificamente do caso do “Baralho do diabo”, foi possível constatar que muito embora seja comum encontrar hodiernamente discursos favoráveis e de incentivo aos videogames entre os representantes da direita, o final do século XX e início do XXI foi marcado no Brasil por cruzadas morais (Becker, 2008) movidas por pânicos morais (Cohen, 1987) que associavam determinados jogos ao satanismo e a violência.

Esses discursos germinais que combinavam conservadorismo político com crenças evangélicas (Baddeley, 2022) responsabilizavam não apenas os jogos –sejam eletrônicos, card games ou RPGs (Role Playing Game)–, mas também outras mercadorias culturais como o heavy metal, filmes e desenhos animados por incentivarem a homossexualidade, o marxismo, o satanismo e até mesmo influenciarem atos de violência como o massacre de Columbine nos EUA, que foi associado ao jogo Doom, bem como o Massacre no Shopping Morumbi na cidade de São Paulo, ligado ao jogo Duke Nukem 3D, ambos ocorridos no ano 1999.

Essas cruzadas morais muitas vezes obtiveram êxito em suas empreitadas. No Brasil, ao longo das três grandes ondas de pânico moral que se difundiram no país (Khaled Jr., 2018), além dos já citados Doom e Duke Nukem 3D, diversos jogos foram proibidos, com foi o caso de Counter-Strike, Carmageddon, Bully e The Crims.

Apesar desse tipo de pânico moral que associa jogos à violência e ao satanismo tenha se popularizado no Brasil a partir do final da década de 1990, é possível identificá-lo no continente americano na década anterior. Segundo Jeffrey Victor (1999), esse fenômeno social recebeu o nome pela sociologia de pânico satânico [satanic panic] e se refere à uma espécie de histeria coletiva alimentada pelo sensacionalismo midiático, fundada na crença acerca da existência de cultos satânicos que praticavam tortura, sacrifício humano, abuso sexual de crianças, abortos, mutilações de animais, canibalismo e até mesmo pornografia e tráfico de drogas. Sendo assim, esses rituais estariam corrompendo moralmente e politicamente a juventude por meio da difusão de mensagens escondidas ou até mesmo explícitas em obras artísticas e mercadorias da indústria do entretenimento.

No caso dos jogos, o primeiro alvo foi o RPG Dungeons and Dragons, o qual era acusado por escritores da direita evangélica radical estadunidense de converter jovens ao comunismo, ao satanismo e de influenciá-los a praticar homicídios ou suicídio (Baddeley, 2022). Além disso, é importante mencionar que a produção do filme Mazes and Monsters, de 1982, resultou em um contradiscurso decorrente do desenho Dungeons and Dragons, exibido por mais de uma década na Rede Globo, que desde os anos 1970 figura como a principal empresa de telecomunicação no Brasil. Assim, durante a década de 1980 a imprensa produziu diversas reportagens em que mães e profissionais alertavam sobre os perigos dos jogos, inclusive contando com testemunhas oculares de práticas satânicas e outras demais, como era o caso dos pais que afirmavam terem visto o momento em que o filho invocou um demônio do jogo em seu quarto, pouco antes de cometer suicídio2.

Esse medo difundido na sociedade pela mídia, políticos conservadores e líderes religiosos mobilizou a indignação pública contra os “representantes do mal” e engajou a sociedade a exigir o recrudescimento das práticas de controle social punitivo, levando não somente à proibição de jogos, mas também prisões e linchamentos de pessoas que eram acusadas de praticarem crimes contra crianças em rituais de magia negra, mesmo diante da inexistência de provas concretas das acusações que eram feitas (Victor, 1999).

Embora o conceito de pânico satânico [satanic panic] tenha sido construído a partir de um fenômeno estadunidense, acreditamos que pensando-o como um tipo ideal (Weber, 2004), ele nos serviria para indicar uma forma específica de pânico moral que é possível identificar empiricamente no Brasil e a refletir sobre os usos políticos do medo e suas consequências na vida cotidiana. Como forma de exemplificar este fenômeno social, no presente artigo mapeamos comentários proferidos em perfis de plataformas digitais do Reddit, Youtube e Discord que evidenciam uma série de matérias publicadas no programa “Boa noite Brasil” da TV Bandeirantes exibidos entre os dias 02 e 05 de junho de 2003, em que card games e desenhos infantis foram associados ao satanismo, em especial o jogo e desenho infantil Yu-Gi-Oh! que foi referenciado como o “baralho do diabo”.

Aqui, parece necessário destacar que, apesar das críticas proferidas por representantes do conservadorismo, dentre outros adeptos deste tipo de cruzada moral (Becker, 2008), pânico moral (Cohen, 1972) ou mesmo pânico satânico (Victor, 1999), ao desenho e jogo infantil mencionado, associando-o ao satanismo e outras demais formas depreciativas, existem estudos que evidenciam como que o Yu-Gi-Oh! contribuiu significativamente para que crianças desenvolvessem estratégias e conceitos de aprendizagem de ordem superior ao que comumente teriam disponível em instituições formais de educação (Balnaves; Tomlinson-Baillie, 2005).

Entretanto, mesmo mencionando este tipo de estudo, não discutiremos sobre essa questão, tampouco faremos uma descrição densa e aprofundada acerca do universo mais amplo do qual os comentários analisados são parte, tendo em vista o limite de páginas do artigo. Todavia, esperamos conseguir desenvolver um maior aprofundamento acerca desta questão em trabalhos futuros, o que acreditamos não comprometer ou mesmo desqualificar a qualidade deste escrito por nós apresentado. Para iniciar a nossa análise, parece-nos necessário destacar que o mangá original de Yu-Gi-Oh! foi apresentado inicialmente na Weekly Shõnen Jump entre 30 de setembro de 1996 e 8 de março de 2004, sendo compilado posteriormente em trinta e oito tankōbon.

Apesar da história do mangá original de Yu-Gi-Oh! envolver produção de diferentes mídias como anime, filmes, livros etc., foi através do jogo de cartas colecionáveis que o pânico satânico se inseriu no contexto brasileiro. Sendo assim, as cartas tanto originais quanto falsificadas de Yu-Gi-Oh! acabaram se tornando bastante populares no Brasil nos anos 2000. Contudo, em 2003, o apresentador de televisão da Rede Bandeirantes, Gilberto Barros, acusou por quatro edições seguidas, no programa Boa Noite Brasil, que o jogo “baralho do diabo” teria ligação direta com a máfia japonesa. A edição de 5 de junho daquele ano foi dedicada inteiramente ao jogo de cartas, tendo como suas principais fontes para a reportagem pastores evangélicos.

Em contrapartida, houve uma reação da fanbase na internet e em sites especializados, que procuraram rebater essas acusações. Porém, não houve possibilidade de conter aquela reportagem que promoveu a um pânico satânico por todo o país, resultando na proibição desse jogo para crianças, que tiveram os seus baralhos queimados. O pânico satânico também abrangeu outros jogos e obras de ficção, tais como RPGs e Dragon Ball. Sendo que, em 2004, o Ministério da Justiça reclassificou o anime como inadequado para menores de 12 anos, o que acabou por impedir que a série fosse exibida antes das 20h, forçando a TV Globo a retirar Yu-Gi-Oh! de sua programação logo no primeiro trimestre de 2004, o que prejudicou a divulgação de outros demais produtos relacionados à série.

No entanto, será em uma entrevista para o podcast Não Ouvo, realizada em 2019, que o apresentador Gilberto Barros passa a afirmar que o baralho possuía frases como “mate o seu pai para não ir na escola amanhã” e “corte o dedão da sua irmã”, justificando que sua sana em defesa da censura daquele jogo tinha como intenção proteger as crianças daquele perigo iminente3. Porém, é importante destacar que as frases mencionadas pelo apresentador jamais fizeram parte daquele jogo original. No entanto, em 2023, foi disponibilizado uma primeira versão do animena Bandplay, que se tornou o mais assistido naquele ano.

Ainda que Yu-Gi-Oh! nunca tenha sido legalmente proibido no Brasil, os comentários analisados dão conta das reações práticas que o pânico satânico gerou na vida cotidiana de diversos jovens, tais como pais obrigando os seus filhos a queimarem4 ou se desfazerem de suas cartas, escolas proibindo o jogo dentro das suas dependências, jovens sendo proibidos de assistirem ao desenho e de jogarem a versão do jogo para videogame, dentre outras.

O programa ainda é considerado uma lost media5, inexistindo registros na internet, entretanto, continua presente na memória popular diante do impacto gerado pelo medo engajado pelo programa televisivo, sendo possível identificar pistas das reações geradas no cotidiano dos jovens a partir dos comentários e conteúdos disponíveis online, que serão analisados neste artigo.

Em outra entrevista datada de 2017, que antecede aquela concedida ao podcast Não Ouvo, o apresentador Gilberto Barros confirmou a existência do programa, reconhecendo que apenas pretendia fazer um alerta aos jovens, sobretudo, por conta de uma suposta carta que “mandava matar o pai”, que crianças pequenas não entenderiam6. Assim, a partir desses fragmentos de memória, o artigo busca tensionar em que medida o uso político do medo pela mídia para difusão de pânicos morais pode produzir efeitos práticos na vida cotidiana e intensificar práticas de controle social.

Jogos, satanismo, violência e comunismo – uma breve história do pânico moral sobre os jogos

Na obra Satanic Panic: the creation of a contemporary legend, o sociólogo Jeffrey S. Victor (1999) desenvolve o conceito de satanic panic [pânico satânico] para designar uma histeria coletiva que se inicia no Canadá, mas que se espalha por todo o território norte-americano ao longo das décadas de 1980 e 1990, fundada na crença irracional acerca da existência de cultos satânicos que estariam praticando uma série de crimes, como sacrifício humano e abuso sexual infantil, escondendo mensagens em músicas, jogos e vídeoclipes, com o fim de converter jovens ao satanismo, à homossexualidade e ao marxismo.

Segundo Heller-Nicolas (2022), essa espécie de paranoia se inicia após a publicação do livro “Michelle Remembers” (Smith, Pazder, 1980), em que o psiquiatra Lawrence Pazder descreve o caso de sua paciente Michelle Smith, que recuperou memórias reprimidas sobre a iniciação satânica que foi submetida quando criança durante em sessões de terapia. Embora inexistam evidências ou testemunhas sobre a história contada na obra, o livro tornou-se popular justamente por apontar a existência de uma rede de cultos satânicos infiltrada na América do Norte, tendo arrecadado cerca de 1.2 milhões de dólares com a publicação, e vindo a se tornar uma referência em “ritual abuses”, conceito construído por ele mesmo para designar crimes praticados no contexto de rituais satânicos7.

Após o sucesso comercial de Michelle Remembers, diversas outras publicações vieram à tona, tornando-se comum a existência de seminários sobre o assunto, realizados por psiquiatras, grupos religiosos, políticos conservadores, policiais, dentre outros. Tendo inclusive o FBI (Federal Bureau Investigation) publicado um guia de investigação voltado para esse tipo de crime, intitulado Investigator’s Guide to Allegations of ‘ritual’ child abuse8, o que acabou resultando na prisão de diversas pessoas que foram condenadas mediante acusações de ritual abuses.

Ao analisar mais de 50 casos criminais desse tipo, Jeffrey Victor (1999) concluiu que essas acusações se baseavam em um medo irracional, ou seja, em uma crença desvinculada de provas e factualidades. Porém, encontravam-se fundadas em um pânico moral promovido por falsas acusações perpetradoras de um perigo imaginário por meio do sensacionalismo midiático, que acabaram sendo legitimadas pelos aparelhos de controle social como a polícia e os tribunais.

Aqui cabe mencionar que a primeira grande teorização sobre pânicos morais foi realizada por Stanley Cohen (1972) para definir o problema como um fenômeno que aparece de forma periódica nas sociedades em que grupos, pessoas, episódios ou condições são definidos como ameaçadores a ordem e aos valores sociais. A análise inovadora apresentada por Cohen (1972) evidencia que os pânicos morais e sua consequente demonização de certos perfis de sujeitos possui uma relação de interação, que amplifica o desvio em decorrência da atenção midiática e do aumento do controle social propenso a endurecer o desvio original, ou mesmo a intensificar a atração em sua prática para potenciais desviantes. Ao tratar desse conceito, Garland diz que, “os alvos dos pânicos morais não são aleatoriamente selecionados: são bodes expiatórios culturais cujas condutas desviantes aterrorizam os espectadores de forma muito poderosa, precisamente por que se relacionam com medos pessoais e desejos inconscientes” (2019, 48).

Na introdução à terceira edição da obra Folk Devils and Moral Panics, publicada em 2004, Cohen mostrou que o conceito de “pânico moral” nasceu da teoria da reação social desenvolvida no final dos anos 1960, sobretudo, no que concerne a preocupação com o papel da mídia na estereotipação, deturpação do desvio e percepção de que tais reportagens podem contribuir para uma espiral de amplificação do desvio.

Todavia, Garland identificou o nascimento de uma nova geração de teóricos do desvio na Inglaterra, incluindo Jock Young (a partir de seu estudo sobre a polícia como amplificadora do desvio do uso de drogas, publicado em 1971), Stanley Cohen (em decorrência de seu estudo sobre os Mods e Rockers, de 1972) e Jason Ditton (que desenvolveu suas ideias acerca da “contrologia”, em 1979). Segundo o autor, estes teriam tomado o modelo de “amplificação do desvio” de Leslie Wilkins (1964), junto com o as ideias interacionistas de Edwin Lemert (1967) e Kai Erikson (1966), com o objetivo de desenvolver uma abordagem que enfatizasse como o controle social pode levar à intensificação do desvio através de um processo interativo de ajuste psicológico e a ações sociais auto cumpridas.

É importante destacar que “o ponto de partida para qualquer análise de pânico moral é a premissa de que uma reação particular é de alguma forma desproporcional ao desvio que condena” (Garland, 2019, 60). Entretanto, “para que um conceito seja ao mesmo tempo significativo e capaz de uma aplicação precisa ele necessita operar dentro de uma rede de outros conceitos, em relação aos quais pode ser distinto ou oposto” (2019, 67). Nesse sentido, parece oportuno promover uma articulação do conceito de pânico moral, versado por Stanley (1972), com as cruzadas morais, que foi desenvolvido por Howard Becker em seu livro Ousiders.

Com o estabelecimento de organizações de impositores de regras, a cruzada torna-se institucionalizada. O que começou como uma campanha para convencer o mundo da necessidade moral de uma regra torna-se finalmente uma organização dedicada à sua imposição. Assim como movimentos políticos radicais se transformam em partidos políticos organizados, e seitas evangélicas vigorosas se tornam denominações religiosas moderadas, o resultado final da cruzada moral é uma força policial (Becker, 2008, 160).

Ao serem estigmatizados pela mídia como os responsáveis pela crise moral difundida na sociedade, estes sujeitos desviantes passam a ser alvo das agências de controle social que visam neutralizar esses indivíduos, de modo que o pânico moral assume a forma de cruzadas morais que visam reorganizar a estrutura normativa da sociedade, seja para impor regras de modo punitivo, seja para criar novas regras que reafirmam valores simbólicos (Becker, 2007).

Nesse sentido, é possível compreender que o primeiro jogo a ser acusado de estimular o satanismo a ponto de provocar um pânico moral foi o RPG de mesa Dungeons and Dragons9 que se popularizou nos Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980, tendo sido alvo de uma campanha que combinava conservadorismo político e crenças evangélicas, resultando em uma verdadeira guerra cultural (Baddeley, 2022), podendo ser tratada ainda como uma cruzada moral (Becker, 2007) conduzida pelo pânico satânico (Victor, 1999).

Um dos empreendedores morais mais atuantes à época em relação a questões como essa foi Gary North, PhD em história pela Universidade da Califórnia e considerado um radical da direita evangélica estadunidense, tendo inclusive defendido a aplicação de leis religiosas e penas capitais baseadas no antigo testamento da bíblia para a homosexualidade e o aborto. Além de estar vinculado ao Instituto Ludwig von Mises e à escola austríaca de economia, North (1996) foi o autor do livro None Dare Call It Witchcraft, obra em que afirma que a magia existe e que ela representa uma ameaça ao mundo moderno, associando o ocultismo ao humanismo e ao liberalismo (Baddeley, 2022). A obra foi citada em diversos programas sensacionalistas da época que associavam o jogo ao satanismo10, tornando-se o autor deste livro uma figura popular na mídia televisionada.

Enquanto North (1996) utilizava sua formação acadêmica para legitimar suas acusações, Pat Robertson, fundador da rede de televisão Christian Broadcasting Network e considerado um dos maiores líderes do movimento conservador religioso dos Estados Unidos utilizava seu canal, especialmente o programa The 700 club para disseminar suas ideias evangélicas radicais, tornando-se Dungeons and Dragons um dos seus maiores alvos11. Ao longo dos anos de 1970 e 1980, seu canal de TV, além de outros que compõem a mídia tradicional, deram espaço para diversos profissionais que afirmavam que o jogo servia como uma forma de introduzir crianças ao satanismo, promovendo uma degeneração cultural dos valores cristãos.

Desse modo, é necessário salientar que, quando o filósofo Umberto Eco (2019) proferiu a conferência intitulada “Fascismo Eterno” abordando a recorrência da obsessão por teorias conspiratórias nos regimes fascistas, ele destacou que o exemplo mais recente dessa fixação residia na teoria conspiratória da “Nova Ordem Mundial” ou do “Globalismo”. Esta foi trabalhada incessantemente por Pat Robertson (1991) em sua obra intitulada “The New World Order”, a qual encontra suas raízes em construções apocalípticas do mundo e nas profecias do fim dos tempos, alegando que entidades como as Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial de Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e as famílias mais ricas da humanidade, incluindo economistas de Wall Street, Federal Reserve System e Council on Foreign Relations, estariam orquestrando o comando do governo federal dos Estados Unidos.

O seu principal objetivo dessa articulação era transferir o poder econômico ocidental para o regime chinês, promovendo a aniquilação dos valores cristãos e a instituição de uma entidade global única, sob o controle de uma ditadura comunista mundial, enfatizando a figura do anticristo. Robertson (1991) postula que, diante dessa iminente ameaça apocalíptica, é incumbência de todo cristão e um direito inalienável dos cidadãos estadunidenses oporem-se à “Nova Ordem Mundial” que se encontra em curso em todo o planeta (Rosa, Rezende, Martins, 2019).

Nesse sentido, Cohen (1972) reconhece que aquela mídia que precede o nascimento da internet assumiu uma função central no delineamento de pânicos morais, particularmente durante suas fases iniciais, ao conseguir organizar os rumores e as percepções públicas antes desorganizadas, constituindo, assim, um corpo interpretativo para o problema social que se apresenta. Esse processo inicial de inventariação é executado por meio de uma narrativa sensacionalista que exagera e deturpa a problemática, estabelecendo um sistema interpretativo que engloba todos os eventos subsequentes dentro do âmbito do problema social, criando-se um enquadramento interpretativo para este, que se utiliza de elementos pré-existentes do senso comum.

Dá-se início, assim, a um processo de apelo emocional que mobiliza sentimentos, molda opiniões e desloca o problema do domínio factual para o interpretativo, explorando suas implicações e consequências para além das imediatas, como a ameaça a valores morais específicos, conectando-o a outras questões sociais já arraigadas no senso comum, como a “crise da família” ou a “crise da autoridade”. Esse processo de mobilização afetiva direciona a opinião pública a identificar grupos desviantes, estigmatizando-os como os culpados pela crise moral. Isso ocorre por meio de um processo de demonização, que idealiza e deturpa a imagem social desses indivíduos, cristalizando-os como bodes expiatórios para o problema, representando ainda a personificação do mal a ser combatido.

Assim como Robertson e North utilizaram amplamente os programas televisivos para alertarem sobre os perigos de dungeons and dragons, diversos outros empreendedores morais ganharam espaço na mídia, sobretudo, profissionais da psiquiatria que se diziam estudiosos do tema, a exemplo de Thomas Radecki, que se apresentava como professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Illinois, visando auferir certa legitimidade acadêmica às suas narrativas12. Ele se popularizou na mídia afirmando, no programa 60 minutes da CBS Magazine em 1985, que o jogo estava relacionado a pelo menos 28 mortes - envolvendo homicídios e suicídios - nos últimos cinco anos e que existiam amplas provas documentais e testemunhais de tais circunstâncias, como os pais que teriam visto o momento em que o filho invocou um demônio do jogo em seu quarto antes de se suicidar:

In some of those it was cleary the decisive element, in other ones it was just a major element, in the thinking of the people at the time they committed suicide or murder. It’s not a coincidence, not when you have careful documentation, you have careful notes, you have eye witnesses. For instance, one case the parents actually saw their child summon a Dungeons & Dragons demon to his room before he killed himself13. (Radecki, 1985)

A publicação no jornal New York Times intitulada Utah Parents Exorcise ‘Devilish’ Game14 é considerada provavelmente a primeira manifestação do pânico satânico na grande mídia. O que fez com que os professores que utilizavam o jogo em atividades lúdicas e pedagógicas extraclasse como forma de estimular a imaginação, a criatividade e o trabalho em equipe fossem acusados de trabalharem para o anticristo e promoverem subversão comunista nas escolas. Embora o programa fosse voluntário e necessitasse de autorização dos pais para a participação, familiares passaram a exigir o cancelamento da atividade, tendo alcançado êxito no seu objetivo. Na reportagem, um ministro religioso chamado Norman Spring relata sobre o jogo:

Oh it is very definitely anti-religious (...) I have studied witchcraft and demonology for some years and I’ve taught against witchcraft. The books themselves have been taken from mythology and from witchcraft and they are filled with demonology, filled with pictures and symbols that you could find in any basic witchcraft book and use the same terminology (...). These books are filled with things that are not fantasy but are actual in the real demon world; (...) And can be very dangerous for anyone involved in the game because it leaves them so open to satanic spirits15. (Spring, 1985)

Este caso revela como a crença religiosa conservadora encontrou nos professores um bode expiatório para questões sociais que já se preocupavam e que agora passaram a associar a rumores trabalhados de forma sensacionalista pela mídia. As narrativas de que seitas satânicas estavam se infiltrando na comunidade e nas instituições para corromper os valores morais e subverter politicamente os jovens, que encontravam seus primeiros inimigos: os jovens -vistos como vítimas corrompidas- e os professores - estigmatizados como a encarnação de todo o mal, através de seu suposto vínculo com o satanismo e o comunismo. Contudo, o grupo mais expressivo na cruzada moral contra a conspiração satânica que os cristãos conservadores acreditavam estar ameaçando a juventude estadunidense foi o Bothered About Dungeons & Dragons (BADD), fundado por Patricia Pulling, mãe de um jovem que cometeu suicídio com a arma de fogo que sua genitora possuía e que, na sua visão, foi cometido por influência maligna do jogo.

Como explica Baddeley (2022), o BADD mantinha relações com profissionais da psiquiatria como o já citado Thomas Radecki, tendo exercido profunda influência sobre os aparelhos de controle social, em especial a polícia, com a qual tinha uma estreita proximidade. Pulling, que se apresentava como uma especialista no assunto, fornecia desinformação sobre cultos satânicos aos policiais que também lhe concediam informações confidenciais sobre investigações criminais, que serviam como base para que fizesse calúnias em palestras e seminários, insinuando conexões causais entre o jogo e casos reais de violência.

No Brasil, o jogo foi se popularizar somente entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000, período em que uma espécie de pânico satânico também se difundiu no país. Parte dele foi construído à época a partir de sua relação com os jogos e elementos da cultura pop que foram questionados por uma série de vídeos difundidos pelo pastor brasileiro Josué Yrion intitulada “Que ven tu niños en los Nintendo y en los dibujo animados16”, em que acusava diversas produções do mundo do entretenimento de promoverem o satanismo, o comunismo, a pornografia e a homossexualidade, retratadas como manifestações demoníacas.

Um caso emblemático para representar as narrativas elaboradas pelo pastor é o suposto caso da menina argentina que assistia ao desenho animado dos smurfs quando o “espírito do lesbianismo” saiu da televisão e a possuiu por duas semanas, tempo que passou a falar como homem e a tocar seus irmãos para que a levassem para a cama. Segundo o pastor, momentos antes de ser exorcizada, o demônio teria dito que “eu vou sair dela porque eu não resisto ao nome de Jesus, mas ela é apenas uma, eu tenho milhões de crianças nas minhas mãos17”. Sobre Dungeons & Dragons, o pastor trabalhava um rumor que ficou muito conhecido durante aquela época:

Há um vídeo lá nos Estados Unidos chamado Dungeons and Dragons, dragões e masmorras. Você sabe que o garoto estava brincando com este Nintendo… Sangue de Jesus tem poder… Isso pode passar com você, um filho de um diacro em Connecticut, ele estava brincando, este vídeo disse para ele: “I’m the prince of darkness”. Eu sou o príncipe das trevas, quando você me buscar em cemitérios, labirintos e caveiras você vai encontrar o meu poder e você reinará comigo. O garoto começou a brincar e apertar os botões, então o diabo disse para ele: se você quer me conhecer aperte o botão 1. Claro, a curiosidade é para isto, é para apertar os botões, o Nintendo. Apertou o botão e o diabo saiu na tela, e disse “My name is satan” e saiu os chifres e os fogos do lado e disse: se você quer reinar comigo para sempre então aperte o botão 2. Quando o garoto apertou o botão 2 o diabo disse “Ah! I got your soul, you fool”. Eu tenho a sua alma para sempre. Sabe o que o diabo disse a ele? escreva ao seu pai uma carta, eu preciso de uma obra que você faça para mim, mas fora do corpo. Sabe o que o diabo disse pra ele? um filho de um diacro. Mata-te e eu lhe darei poder no inferno. Você sabe o que o garoto fez? ele desceu à garagem onde estava o carro do pai, colocou uma mangueira, tirou gasolina, colocou a gasolina em um balde, pegou os fósforos do fogão da mãe, subiu para o quarto… o sangue de jesus te repreenda essa noite… o diabo estava atrás da porta e disse: jogue gasolina, prenda-te fogo e eu lhe darei poder. E o diabo disse: escreva o que eu estou dizendo para que todos saibam o poder que eu tenho. E o garoto escreve, colocou gasolina, ele se colocou fogo, ele morreu queimado, se suicidou. O quarto inteiro queimou, mas o vídeo e o Nintendo ficaram intactos. INTACTOS! Quero que você saiba que satanismo é real, é mais real que tu18. (Spring. 1985)

Ao pesquisarem sobre como os jogos são retratados nas publicações da Revista Adventista brasileira inaugurada em 1906, Erick Lima e Allan Novaes (2021) identificaram que de 1999 até meados de 2011essa religião representava o tema de forma negativa, associando-o à uma coisa perigosa que exerceria influência negativa, produzindo vício e expondo jovens à violência, bruxaria, feitiçaria, espiritismo e outras demais formas de expressão demoníaca. Embora os autores acreditem que após esse período tenha ocorrido uma aproximação da religião com os games, é possível encontrar no Youtube material relativamente recente que reproduz o pânico satânico de forma parecida com aquele que surgiu nos EUA19.

Enquanto o pânico satânico estadunidense ganhou força durante as décadas de 1970 e 1980, um pânico moral semelhante parece ter surgido no Brasil cerca de uma década depois, chegando a influenciar as instituições de controle social, como ocorreu no famigerado “Caso Aline”, também conhecido como o “Caso de Ouro Preto”, em que Aline Silveira Soares, de 18 anos foi encontrada morta no ano de 2001 em cima de um túmulo no cemitério Nossa Senhora das Mercês em Ouro Preto após ter sido esfaqueada dezoito vezes.

A acusação, que se baseava no discurso proferido pelo Delegado de Polícia do caso, narrava que Aline teria sido morta por jogadores de RPG, usuários de drogas ilícitas e membros de seitas satânicas, durante um ritual macabro do RPG Vampiro: A máscara. Posteriormente, após serem expostos publicamente pela mídia, no ano de 2009, todos os acusados foram absolvidos pelo conselho de sentença, em uma sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri que durou cinco dias (De Fiori, 2012).

A carta que mandava matar o pai: memórias sobre o “Baralho do diabo

Um dos principais alvos de Josué Yrion na América Latina foram os card games Yu Gi Oh! e Pokémon, os quais o pastor afirmava se tratar de uma forma de corromper os jovens para o satanismo e a pornografia20. Apesar do Yu Gi Oh! nunca ter sido proibido por lei no território brasileiro, o pânico moral gerado pelas teorias conspiracionistas que o tinham como alvo produziram efeitos práticos na vida cotidiana de jovens, que podem ser observados através dos fragmentos de memória espalhados em comentários e vídeos na internet.

Embora Josué Yrion tenha protagonizado essa cruzada moral contra os jogos por meio da produção e difusão de seus vídeos, a distribuição desse conteúdo ainda era restrita às famílias evangélicas, que se ocupavam de espalhar os rumores conspiracionistas. Porém, foi com uma série de matérias exibidas no programa de televisão brasileiro com alcance nacional, chamado “Boa noite Brasil”, exibido pela TV Bandeirantes entre os dias 02 e 05 de junho de 2003, que a cruzada moral contra os jogos avança, dando um passo significativo na construção de uma versão brasileira do pânico satânico.

Durante quatro dias, o programa apresentado por Gilberto Barros realizou uma série de matérias pretensamente jornalísticas com viés conspiracionista sobre os card games, animes e RPG, finalizando o quinto dia com um debate que ocupou a totalidade do programa. Este, contou com a presença do teólogo Alexandre Farias, que ficou conhecido como o “Pastor do Yu Gi Oh!” ou mesmo “Pastor que combateu Harry Potter21”, por acusar o jogo de se tratar de uma apologia ao satanismo devido às temáticas envolverem demônios, vampiros, lobisomens, etc., além de Luciano Santos, organizador de eventos especializado em card games, e Roger Glasser, juiz de torneios de card games, os quais elucidaram a origem e a natureza de Yu-Gi-Oh!, destacando ser apenas um jogo que desenvolve agilidade e inteligência22.

Além do debate, ao longo da semana diversas pessoas foram convidadas para emitirem suas opiniões através de relatos e demais atividades destinadas a associarem este jogo tanto com atividades ilícitas quanto pecaminosas. O que fica evidente no relato de crianças que afirmavam ter parado de jogar Yu Gi Oh! pela sua conexão satânica, juristas e até mesmo o vice-prefeito de Belo Horizonte à época, Betinho Duarte, que enalteceu a importância do programa, afirmando ter ingressado com um pedido junto à Procuradoria Geral da República para que o jogo fosse proibido no Brasil23.

Até a conclusão deste texto o programa continua sendo considerado uma lost media, isto é, um conteúdo que ainda não foi localizado24. Contudo, a sua existência é comprovada pelas centenas de comentários em plataformas digitais, além da própria entrevista realizada com Gilberto Barros, que reconheceu a existência do programa, afirmando que existia uma suposta carta que mandava “matar os pais25”:

Gilberto Barros: Eu vi umas cartas de... como que chama? Yo gi... “Yo Gi Oh”. E aí eles estavam me falando… você sabe que assim ó, eu tive culpa mas não tive culpa, tanta culpa. As pessoas não entenderam o recado que eu quis dar através disso aí. Respeitando principalmente as crianças, foi só isso, exatamente isso. E te confesso, a carta do capeta que vendiam lá, foi uma “venda” entre aspas da imprensa japonesa, que veio aqui pro Brasil e eu peguei rapidamente porque ali havia aquela concorrência de pegar assuntos, aquele negócio todo. E a gente começou a chamar pessoas especializadas, aquele negócio todo e eles começaram a crescer o negócio. Até a tal da carta que mandava matar o pai, não é isso?

Entrevistador: Essa eu não lembro, eu lembro de você falando do Rei caveira negra, que é uma caveira, assim...

Gilberto Barros: Cara, e aí a tua geração quis acabar comigo, bicho. Para explicar... até na minha casa eu tive problemas, mas foi tudo de coração, foi tudo um movimento para melhorar a juventude e as crianças do Brasil. Mas eu não tenho nada contra essas cartas, é um jogo de fato, a minha preocupação é que o pequenininho não conseguiria entender o jogo. Foi só isso. Estando eu certo ou errado. E volto a dizer, eu nunca tenho a verdade absoluta, existe sempre a minha verdade e a sua verdade, e eu respeito muito a sua geração e a sua verdade também, mesmo que não seja a minha26.

Desse modo, o discurso difundido por Gilberto Barros no programa “Boa noite Brasil” da TV Bandeirantes, relacionando jogos com satanismo, comunismo, homossexualidade e possíveis assassinatos não foi criado exclusivamente por ele. Ao contrário, tratava-se tão somente da reprodução de um certo tipo de pânico moral que já existia nos EUA há pouco mais de uma década, produzindo impacto na vida cotidiana de muitos jovens devido ao alcance televisivo do programa.

No entanto, passados mais de 20 anos, as matérias do programa mencionado capitaneadas por Gilberto Barros, ainda se fazem presentes como objeto de estudo, assim como em discussões nas plataformas de mídias sociais, principalmente a partir de uma perspectiva negativa, na medida em que aquelas lembranças foram completamente descreditadas, como um “programa sensacionalista”. O meme abaixo encontrado no Reddit satiriza esse evento:

Imagem 1 - Meme

Fonte: Reddit27

Muitos dos relatos encontrados na internet dão conta de como a matéria televisiva afetou o cotidiano das escolas de diferentes regiões do Brasil:

Estudei em escola adventista, e pense num povo que vê diabo em tudo. Implicavam que eu lia mangá, yugioh, Beyblade etc era tudo do demônio também. Inventavam histórias de filhos que matavam os pais, roubavam dinheiro e tal pra comprar essas cartas, que ela tinha um demônio que possuía as pessoas, que as cartas eram feitas baseadas em demônios e outras coisas.

Estudava em um colégio católico. Tínhamos um grupo de Magic grandinho já (8 pessoas, cidade do interior de um estado do interior). Chegou a moda do yu gi oh e foi proibido qualquer jogo de carta, ouvi muitas coisas sobre o motivo da proibição, mas a melhor foi que financiava o terrorismo (próximo da época dos atentados de 11/09). Bem, ninguém usava os lab de ciências nos intervalos e era afastado das áreas principais do colégio, jogávamos lá.

Na minha época as funcionárias da escola encheram um saco de lixo com cartas que pegaram no recreio. Pegar o cigarro dos lek piranha que ficava no fundão da escola ninguém queria, mas as cartinhas do capeta ahhhhhhhhhhhhh pega TUTOOOOOOO!!

Anos 90s nas igrejas foi a era do ‘’TUDO É DIABO’’ não foi apenas com yugioh, tudo, literalmente tudo, era motivo de ser trabalho do diabo. Na tv, nas escolas, havia uma paranoia generalizada de que qualquer coisa que tivesse o mínimo de sucesso era visto como satanismo. Xuxa, Angélica, Faustão, o presidente, um brinquedo dos ursinhos carinhosos, tudo era trabalho do diabo. Lembro quando um pastor veio a minha escola em um evento de semana de oração, ele todo dia fazia palestras, todo dia ele aterrorizava a escola com histórias de possessão demoníaca, sempre associando alguma coisa com diabo, em uma delas ele fez referência ao jogo DOOM, dizendo que uma criança que jogava DOOM matou a família.

Também foi interessante notar que uma das formas mais comum que as pessoas utilizaram para destruir as cartas foi através do fogo28, tal como um ritual religioso de expiação:

eu tive meu baralho queimado na churrasqueira =/. Na época estava em uma escola católica e a mesma proibiu os baralhos de Yu-Gi-Oh era a diversão de todo mundo na época.

Não passei por isso, mas minha mãe me fez botar fogo no meu álbum do Pokémon, porque ela passou perto da tv na hora que falaram que o pokémon era tipo psíquico. Pra falar bem a vdd, eu to com 27 mas isso ainda dói.

Meus pais assistiram na época e me obrigaram a queimar 200 cartas que eu tinha e naquela época as cartas eram todas em português formato grande e bem resistentes as seguintes q vieram eram todas menores e em inglês.

Minha família queimou todas as cartas de Yu Gi Oh dos filhos quando começou isso e minha mãe não deixava eu comprar depois disso (não tive na época). É incrível a burrice do povo.

Uma vez tive que queimar as minhas pq disseram que era do diabo!!!!

Chorei assistindo pq sabia que ia perder as cartas. No dia seguinte meu pai e minha vó queriam queimar, minha mãe me ajudou a esconder.

Minha mãe me obrigou a queimar minhas cartinhas, fiquei bolado d+. Até chorei.

Ainda que esteja inacessível para acesso público há décadas, essas matérias do programa Boa noite Brasil serviram como um bom exemplo para demonstrar a participação da mídia na produção de um pânico moral, que no caso apresentado, pode ser tratado enquanto um pânico satânico, justamente por versar sobre satanismo, comunismo e demais condutas passíveis de serem associadas ao mal.

O programa atuou não somente na organização de rumores sobre seitas satânicas preexistentes, como mobilizou sentidos e afetos em relação ao problema e as suas supostas consequências - tratados de forma desproporcional em face à ameaça real -, apresentando como bode expiatório grupos estereotipados, como é o caso das subculturas jovens, que costumam possuir padrões de comportamento, agregação territorial e marcadores estéticos (Cohen, 1987).

Embora o medo tenha se difundido de maneira intensa naquele momento, atualmente ele é relembrado de maneira jocosa pelos jovens que vivenciaram a época, relembrando o ocorrido com sentimentos que variam entre tristeza, frustração e raiva. Acreditamos que o importante trabalho executado pela comunidade brasileira de lost media possa no futuro trazer à público mais informações sobre as matérias daquele programa, possibilitando uma análise mais profunda sobre os usos políticos do medo e suas consequências práticas.

Considerações finais

Por meio da análise apresentada foi possível compreender como que o medo pode ser tratado como um sentimento produzido socialmente através de representações sociais ou práticas discursivas, que foram apresentadas a partir da utilização dos conceitos de cruzada moral (Becker, 2008), pânico moral (Cohen, 1972) e pânico satânico (Victor, 1999). Assim, tais representações ou práticas discursivas atuam como dados que permitem interpretar e compreender um conjunto de ações e fenômenos humanos, pois a interação pode operar invariavelmente a partir de alguma dimensão de racionalidade, podendo compreender também aspectos emotivos e paixões, caso consideremos a abordagem espinosista dos afetos encontradas em Lourdon (2015).

Sendo assim, o medo opera como um conjunto actancial capaz de orientar e conduzir condutas. E é justamente esta característica que o torna tão importante para fins de controle social e relações de poder, já que através do medo é possível estabelecer bodes expiatórios que serão os principais alvos do pânico moral ou pânico satânico, conforme apresentamos no texto. Segundo Delumeau (2009, p. 587), é “o medo que explica a ação persecutória em todas as direções, conduzidas pelo poder político-religioso, na maior parte dos países da Europa e da Idade Moderna”.

Portanto, afirmar que o medo opera como uma forma de controle social implica em considerá-lo justamente um mecanismo de interação com conflitos/diferenças sociais. Isso porque ele sempre teve alvos prioritários seguindo uma racionalidade histórica e situacional. Judeus, mulçumanos, mulheres, feitiços, magias, em suma, a história do medo no ocidente é longa e diversa em seus conteúdos (cf. Delumeau, 2009).

Uma das tecnologias de controle social mais efetivas da modernidade está associada às práticas pedagógicas, de tal forma, que é possível pensar em uma pedagogia do medo constitutiva de uma doxa, um senso-comum na sociabilização ocidental. Há inúmeras músicas, histórias, maneiras de educar os mais novos – e, portanto, sociabilizá -los (Elias, 1994)– a partir do medo. Da mesma forma que “enfrentar seus medos” também constitui um momento comum na formação humana, ele também opera como um diferenciador das inúmeras fases da vida atribuídas socialmente. Não significa perder os medos, mas sim, assumir outros. Os medos de criança não são – em regra – os mesmos vividos pelos adultos.

Desta forma é possível dizer que há uma cultura do medo (Glassner, 2003), que articula política e socialmente as representações ou práticas discursivas que produzem efeitos associados ao medo, isto é, comportamentos e ações mobilizadas e conduzidas pelo medo. A questão é que tal direcionamento das possibilidades de ação não segue uma lógica ou razão passível de universalização – como se pretende a lógica científica, técnica, jurídica –, mas há uma lógica, uma racionalidade específica, local, situacional, condicionada às realidades comuns à experimentação da vida, havendo ainda uma dimensão afetiva que passa a ser acionada em momentos tomados por paixões e emoções, que deixam escapar certa racionalidade, conforme podemos encontrar nas análises de Frédéric Lourdon (2015) que demanda das ciências sociais que considere os afetos encontrados nas análises espinosistas, que foram negligenciados em detrimento da razão. Por isto que não há uma associação obrigatória entre medo e a realidade das coisas. Contudo, por sua condição actancial, pode produzir realidades, isto é, condições para que as pessoas atuem no mundo social a partir de suas percepções.

Assim, produzir medo assume um aspecto relacional, e, portanto, associado ao poder, na medida em que atua como produtora de ordem social, conflito social e controle social. Tal produção não deve ser tomada como uma maquinaria ou uma racionalidade malévola, mas sim, entendida como um efeito de processos sociais tais quais interações sociais, relações sociais, sociações, sociabilidades, governamentalidades etc. Em suma, o medo capaz de ser objetivado através de representações, práticas discursivas, comportamentos e ações sociais, formas de organização e ordenamento dos espaços e capitais sociais, possibilita uma análise compreensiva e explicativa importante para o social.

O medo produz efeitos práticos, e como são muito distintos, podem ser especificados quanto aos seus efeitos. Aqui nos interessa aqueles que produzem ou reproduzem formas de violência e segregação, isso porque o medo geralmente é associado ao outro. O medo articula uma explicação e compreensão – uma sociologia espontânea e profana – que permita atribuir sentido a ele. Este processo que envolve por vezes a natureza, qualidade, origem, efeitos, tende a localizar na diferença/estranheza sua fonte, podendo ser mais complexo/simples, com permanência/transitório, ordinário/extraordinário conforme o contexto.

A história é farta em exemplos que permitem afirmar comumente que a estranheza recai sobre corpos estranhos, e a racionalização deste processo produz um conjunto de sentidos, saberes e práticas de defesa, proteção, imunização, cujos efeitos mediatos são o ódio, a violência, segregação e a morte (Appadurai, 2009; Butler, 2015; Delumeau, 2009; Esposito, 2009; Glassner, 2003; Simmel, 2005).

Contudo é no ordinário, no cotidiano, que se apresenta seus efeitos imediatos, que podem ser sintetizados em uma sociabilidade e socialização a partir da violência, desconfiança e da inimizade (Mbembe, 2017) que produzem e podem ser observadas em interações cotidianas. O fato de que alguns queimaram as cartas, livros e jogos pode parecer efêmero, mas traz em si a dinâmica e a forma pela qual um conjunto maior e generalizável de ações ocorre. Pensemos, se ocorre com cartas de um baralho – cujo conteúdo é alvo do medo – o que pode ocorrer quando associado a alguém?

O caso do “Boa noite Brasil” demonstra empiricamente o efeito prático da produção de pânico, em especial, neste caso associado ao satanismo. A potência analítica deste fato está justamente na sua efemeridade, já que algo tão banal, quanto card games é capaz de mobilizar ações, articulações complexas de acusações e medos associativos (homossexualidade, comunismo, satanismo, juventude, sexo, drogas, violência), chegando até mesmo mobilizar uma cruzada moral contra este tipo de mercadorias, produzindo uma memória coletiva sobre a circulação do tema à época. Este pânico satânico poderia ser classificado como transitório, simples, extraordinário e, por isto, capaz de chamar atenção à estranheza. Qual grave e interessante é a microfísica social daqueles medos já incorporados às dinâmicas sociais, reprodutores de diferenciações que são naturalizadas, simplificadas, comuns, porém, permanentes.

Referências

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1 É necessário mencionar que o texto apresentado contou com importantes contribuições dos professores Marcelo Bordin, que atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado em segurança pública na Universidade Vila Velha - UVV, e Josemar Machado de Oliveira, que desenvolveu pesquisa de pós-doutorado em sociologia política na UVV e que atua como professor permanente no Programa dePós-Graduação em História social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo –UFES.

2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yShqF1YSfDs. Acesso em 27 jan 2024.

4 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3Vr023TyRPU. acesso em 28 jan 2024.

5 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oykiRLZ4NNY. Acesso em 27 jan 2024.

6 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-pdlqYPPri0. Acesso em 27 jan 2024.

7 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=plEImKEIRm8 acesso em 28 jan 2024.

8 Disponível em: https://www.ojp.gov/pdffiles1/Digitization/136592NCJRS.pdf acesso em 28 jan 2024.

9 Role-playing game (RPG) se trata de um tipo de jogo, seja virtual, de tabuleiro, ou de “mesa”, em que os jogadores assumem papéis de personagens e colaboram para desenvolver narrativas. Cada jogador encarna um personagem dentro de um universo imaginário, aderindo a regras estabelecidas previamente ou improvisadas. Dungeons and Dragons trata-se de um RPG de “mesa” ambientado em um cenário de fantasia medieval. Um jogador atua como o mestre do jogo, narrando a história e controlando o ambiente, enquanto os outros jogadores interpretam seus personagens. O jogo usa dados para determinar o sucesso de ações, como ataques e habilidades. Os personagens evoluem ao enfrentar monstros, resolver enigmas e completar missões.

10 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8I1fyOZC9bU. Acesso em 25 fev 2024.

11 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8I1fyOZC9bU. Acesso em 25 fev 2024.

12 Posteriormente, constatou-se que suas alegações de pertencer ao corpo docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Illinois eram fundamentadas unicamente por possuir autorização para atuar profissionalmente em um hospital universitário. Mesmo após a revogação desse credenciamento em 1985, ele persistiu em reivindicar tal status de docente por vários anos (Laycock, 2015).

13 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yShqF1YSfDs. Acesso em 27 jan 2024.

16 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hv6BqsSVv-g. Acesso em 25 fev 2024.

17 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3_Cv2RgJvvo. Acesso em 25 fev; 2024.

18 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2RfAsM_XNS4. Acesso em 25 fev. 2024.

19 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XV3cXHMRlo0. Acesso em 23 mar. 2024.

20 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RCMjgtfY6c0. Acesso em 03 mar 2024.

21 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AHkGd_XWpJ4. Acesso em 03 mar 2024.

22 em: https://lostmediabrasil.miraheze.org/wiki/Boa_Noite_Brasil_-_Yu-Gi-Oh!#cite_note-blog-2. Acesso em 03 mar. 2024.

23 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q77j8vMxWQE. Acesso em 03 mar. 2024.

24 Recentemente, conforme vídeo disponível na nota de rodapé de número 24, o Canal do Youtube Lucasnauta informou que a comunidade online de Lost Media conseguiu ter acesso à parte do programa, em que pese não possuírem autorização para compartilhar o material devido aos direitos autorais.

25 É importante salientar que não há provas acerca da existência de tal carta.

26 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-pdlqYPPri0. Acesso em 03 mar. 2024.

28 MUTANTETH. Queimando cartas de yugioh. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3Vr023TyRPU. Acesso em 14 abr. 2024.